31.10.13

Juras

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Na carestia das certezas, julgamos as juras como intrépidos tutores do desassossego. Mas as horas foram fazendo o seu caminho, o lento caminho enquanto o cais prometido no desafogo das ambições se demorava. As juras, émulos tardios de um arrependimento que não cuidava de ser adestrado. Pois o ensimesmar ocultava lucidez, rapace como não admitia ser.
Jogava os ossos contra as arestas vivas das casas, como se fossem imperativas as cicatrizes. Os manjares opulentos em que se viciara eram o contraforte onde desfigurava a silhueta outrora esbelta. Mas as dores do corpo já não importavam. Poucas eram as apoquentações que importavam. Numa ascese inesperada, prometeu-se aos prazeres que desprezara. Os manjares opulentos, a bebida farta, a luxúria que não sabia existir, uma montanha que ia trepando à medida que travava conhecimento com o ilícito. Entre dois momentos de embaciamento dos sentidos, jurou que jamais voltaria a jurar. Se fosse a perdição, ao menos que emalassem seus pertences numa dionisíaca entrega ao desapego.
Despojou-se da materialidade egoísta. Foi empobrecendo. Contudo, nunca havia sentido tanta gratificação interior, tão probo como nestes tempos de hedonismo. Dissolveu-se do trabalho. Sabia que o consolo de um salário seria miragem. Como soube negociar a despedida com a habilidade, embolsou uma maquia que acautelava imponderáveis nos meses incertos que estivessem para vir. Era o salvo-conduto para a folia que tardava. Diante das estátuas que sagrava, voltava a jurar que não repetiria juras. Sabia: que as juras são a parte de fraco de quem decai na fragilidade. E que as juras estão fadadas ao vazio, quando, enfim, os olhos marejados anotarem o seu incumprimento.
O que menos contava era a solidão de antanho. Da solidão que o fora sem dar conta. O que menos contava eram os atalhos por onde o porvir vinha antes do tempo. Só interessavam as juras que, tivessem sido entronizadas pelo caule da caneta, depressa seriam desmentidas. Assim como assim, as juras desfazem-se na perenidade do impossível. Quem as cauciona sabe que é desonesto em desproveito próprio. As juras embebem a maior inutilidade de todos os tempos.

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