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Apetecia inundar a casa de flores.
Documentou-se. Acerca das flores e dos seus aromas, das cores que as enfeitam,
das silvestres e das cultivadas em cativeiro, dos préstimos que têm as várias
flores. Apetecia uma loucura: ornamentar a casa inteira com flores encomendadas
a uma florista que viesse ao calhas na consulta da lista telefónica. A florista
ficou atónita. Não quis acreditar que alguém encomendasse tantas flores. A
conta era calada. Ele sossegou-a, que não se importasse com a conta. Que pagava
antes da entrega da encomenda.
Foi preciso um camião para despachar
a encomenda. As vizinhas idosas, no habitual parlatório bisbilhoteiro, de queixo
caído. Não podia ser funeral (ou não tivessem, como sua outra especialidade, emprestar
suas lamúrias ao toque de finados). Trataram de ver onde era despejada tanta
flor. Era o “tal vizinho estranho, com
brinco na orelha e um penteado despenteado”. O “maluco”, de poucas falas quando com elas se cruzava na portaria do
prédio. Ele viu-as a espreitar na dobra da esquina que vinha do elevador para a
porta de casa. Fez genuflexão respeitosa – assim como assim, os mais velhos são
credores de tamanha consideração. Atrapalhadas, as velhas recuaram pelas
escadas em trote acelerado.
À medida que os homens da
transportadora metiam os cachos de flores dentro de casa, distribuía-as pelas
assoalhadas. Quando se achou sozinho, começou a tarefa que levaria horas: a
arquitetura das flores nas assoalhadas da casa. Que ficaram atestadas de
flores, nas jarras e fora delas, pendidas onde houvesse lugar para tal
serventia. A casa, pela noite, era um império de flores. Uma sinfonia de aromas
que se misturavam sem critério. A derradeira tarefa fora desfolhar rosas –
amarelas, carmim e brancas – num amontoado de pétalas. Armou os braços em forma
de regaço, onde depositou as pétalas assim amanhadas. As braçadas de pétalas, depois
metidas na banheira.
Estava quase na hora. Tirou a roupa.
Mergulhou no incenso de pétalas. E esperou. Esperou que a chave abrisse a porta
da rua. Ao menos aquele banho não arrefecia. E enquanto esperava, uma frase
emoldurou-se para lá da cortina que se escondia atrás dos olhos fechados: “não me tragam flores para o funeral.” É
que as flores são a sagração da vida.
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