9.10.13

Sal sem pimenta (deixa de ser sal)


In http://static.assimsefaz.com.br/images/3/null/548120/2/sal-e-pime_1365176593963.jpg
O condimento principal é o sal, asseguram os lugar-tenentes dos lugares-comuns. E dizem mais, contrapondo os que reclamam um lugar altaneiro para a pimenta: mas a pimenta escalda a língua, a pimenta não aproveita a todos os comensais que amesendam no opíparo manjar que é a vida. Ao que os seguidores do apimentado condimento interrogam: uma maioria (se é que se dá por adquirido que ela existe) chega para asfixiar o gosto de uma minoria?
A pimenta, acantonada num sótão onde só têm acesso minorias, empresta uma cor vivaz às iguarias onde se insinua. Desatrela a modorra, que o sal, de tanta atividade, depressa deixa de ser notado. É quando o sal, oprimido na usura, contamina as artérias com gordura que depois se converte em maleitas fatais. O sal, sozinho, pode ser veneno. Um anestésico parecido com o arsénico: um grama depois do outro, e outro mais ainda, sedimentando-se numa camada indelével que, a certa altura, não tem retrocesso. O ataque pode ser fulgurante. E fatal.
Houvesse o sal de vir amaciado pela pimenta e não tanta gente padecia de maleitas adjacentes à sua utilização excessiva. A pimenta é uma espécie de doce sem serventia para sobremesas: aviva os sabores. Deixa à mão gastrónoma latitude para suavizar o sal. Dirão os mais filósofos e os da lógica: mas se a pimenta entrar no quotidiano da gastronomia que é a vida, depressa se confunde com a monotonia do sal. A pimenta deixará de fazer a diferença, porque a habituação do paladar a transforma num condimento comezinho – como o sal.
Quem assim advertir está na omissão de importante conhecimento sobre a pimenta. Pois que há diversas pimentas, multicolores, pimentas que cultivam a diferença pelo azimute da geografia onde são cultivadas. O sal é um tratado de semelhança (e não vale falar da flor de sal, que é tão sal como o sal, com a diferença de ter sido convencionada gourmet). Queremos apimentar? Deite-se mão da imaginação e os olhos leitores aos cartapácios das pimentas.
Salgar a existência é uma hibernação. Apimentá-la é adestrar o sabor estival da imaginação. Inventar o calor, mesmo quando a invernia se propõe ao desfalecimento da friúra. 

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