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O condimento principal é o sal,
asseguram os lugar-tenentes dos lugares-comuns. E dizem mais, contrapondo os
que reclamam um lugar altaneiro para a pimenta: mas a pimenta escalda a língua,
a pimenta não aproveita a todos os comensais que amesendam no opíparo manjar
que é a vida. Ao que os seguidores do apimentado condimento interrogam: uma
maioria (se é que se dá por adquirido que ela existe) chega para asfixiar o
gosto de uma minoria?
A pimenta, acantonada num sótão onde
só têm acesso minorias, empresta uma cor vivaz às iguarias onde se insinua.
Desatrela a modorra, que o sal, de tanta atividade, depressa deixa de ser
notado. É quando o sal, oprimido na usura, contamina as artérias com gordura
que depois se converte em maleitas fatais. O sal, sozinho, pode ser veneno. Um
anestésico parecido com o arsénico: um grama depois do outro, e outro mais
ainda, sedimentando-se numa camada indelével que, a certa altura, não tem
retrocesso. O ataque pode ser fulgurante. E fatal.
Houvesse o sal de vir amaciado pela
pimenta e não tanta gente padecia de maleitas adjacentes à sua utilização
excessiva. A pimenta é uma espécie de doce sem serventia para sobremesas: aviva
os sabores. Deixa à mão gastrónoma latitude para suavizar o sal. Dirão os mais
filósofos e os da lógica: mas se a pimenta entrar no quotidiano da gastronomia
que é a vida, depressa se confunde com a monotonia do sal. A pimenta deixará de
fazer a diferença, porque a habituação do paladar a transforma num condimento
comezinho – como o sal.
Quem assim advertir está na omissão
de importante conhecimento sobre a pimenta. Pois que há diversas pimentas,
multicolores, pimentas que cultivam a diferença pelo azimute da geografia onde
são cultivadas. O sal é um tratado de semelhança (e não vale falar da flor de
sal, que é tão sal como o sal, com a diferença de ter sido convencionada gourmet). Queremos apimentar? Deite-se
mão da imaginação e os olhos leitores aos cartapácios das pimentas.
Salgar a existência é uma hibernação.
Apimentá-la é adestrar o sabor estival da imaginação. Inventar o calor, mesmo
quando a invernia se propõe ao desfalecimento da friúra.
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