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A
velhice não é um sortilégio. Era assim que ele pensava enquanto repousava no
alpendre, depois de notar que já não era autónomo e precisava de ajuda alheia
para os movimentos que outrora eram banais. O ocaso tinha uma luminosidade
resplandecente, apesar de estar consagrado que os ocasos são titubeantes, que
as cores desmaiam e, talvez por isso, emprestem uma beleza singular o céu na
indefinição entre o dia e a noite.
O
corpo doía de cansaço. E não fora por cansaço ao cabo de jornada difícil. Pois
toda a jornada fora de descanso, que de forças estava exangue, o que lhe
consumia a vontade intelectual. Já não apeteciam os pequenos luxos que
costumavam ornamentar o entardecer: um copo de vinho tinto, uns petiscos de
elaboração ora requintada, ora lhana, uma conversa enriquecedora com um amigo,
ou com a consorte que entretanto desfalecera em ausência. Só apetecia
anestesiar a consumição das dores que mortificavam os ossos e os músculos em
apressada decadência.
Contava
as horas até tomar o comprimido ao deitar. É que só ao deitar, quando os
comprimidos convocavam o sono artificial, as dores deixavam de gritar. De repente,
veio à memória como perdera a penúltima bengala de um espólio de que fora rico.
O esquecimento, as quedas que não quis ter, a fadiga do material – tudo
enfraquecera o espólio. Ao seu lado, em caso de haver para ela serventia (o que
só seria possível se as dores prescindissem da ajuda), a bengala sobrante. Não
se intimidou com o espelho avivado do que era a representação da derradeira
bengala. A enfermeira perguntou-lhe pelas outras que se habituara a ver no
espólio. Explicou, uma a uma, o fado que lhes estivera destinado. A enfermeira continuou
as perguntas para saber se ele queria repor o espólio.
Perdeu o olhar no horizonte onde desmaiavam as cores do
ocaso. Do ocaso. Depois de um silêncio duradouro, já a enfermeira julgava que
ele a não tinha ouvido, retorquiu, com um esgar melancólico de quem adivinhava
o fado irremediável, que já não valia a pena o esforço. Ia pela mão da bengala
sobrante aplaudir a decadência final.
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