18.10.13

Barbas de molho


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Os olhos estrugidos nem sabiam ao certo o que viam. Era como se diante deles tivesse estacionado uma fina cortina de nevoeiro. Por causa dela, o olhar desenganado pelo jogo de sombras que se compunha. Quem disse que precisamos do deserto para experimentar miragens não conheceu palco tão embaciado.
Não é preciso ir tão longe. A humidade, que até as pedras graníticas corroía, emprestava o manto acobreado que tingia os vultos com uma mantilha esfarrapada. Diante dos olhos, as pessoas eram vultos sem sentido, às vezes disformes, uma matilha indiferenciada, sem cor e com pouca forma. Passava os dorsos das mãos, encerrados sobre si mesmos, nos olhos, coçando-os com vigor. Os olhos ensonados, talvez fosse isso, perdiam nitidez diante das formas e das cores. Não faltava muito do compasso para adormecer em pé. E a hora de deitar ainda estava tão distante...Os cafés devorados já não tinham préstimo. Não podia sentar o corpo. Depressa sentia os olhos a refugiarem-se por dentro de si, a cabeça soluçando vagarosamente para a frente, pendida em sinal do sono combatido. O tempero da gravidade apurava a impossibilidade do sono. Outras eram as armas desembainhadas: havia tarefas arquivadas em lista de espera. Trataria de as ordenar para depois se deitar a elas pela prioridade estabelecida.
Mas os olhos continuavam a cambalear um cansaço impertinente. Teimava que o sono era desperdício do tão escasso tempo. Havia, pois, duas noites seguidas que não fora de visita ao sono. A condizer, o penteado desgrenhado e o odor já quase nauseabundo – que a desinteligência com o sono se prestava a outras negligências. A barba hirsuta arqueava com o vento noturno. Os dedos entretinham-se a desenvencilhar pequenos tufos da barba ensarilhados. Fitou-se ao espelho. Assustou-se com a sua figura descuidada. Eureka: o banho trataria de o apessoar. De caminho, o banho de água fria cuidaria de enxotar o sono teimoso. Queria desafiar-se nos limites do conhecimento: até onde podia ir a ausência de sono?
Ao quinto dia, os olhos perderam a bússola da nitidez. Os contornos das coisas escorregavam das córneas. Sentiu o equilíbrio a diluir-se numa fenda imaginária. De repente, ficou embebido em suor insosso. Acordou. Não era pesadelo. Pesadelo era a ansiedade pela atlética condição. Podia por as barbas de molho: ninguém resiste à carestia de sono.

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