14.10.13

Take my hand


In http://fc04.deviantart.net/fs40/f/2009/007/8/f/Take_my_hand____by_Qebhet.jpg
Era quando o enxoval das desgraças esmagava a temperança. Quando as noites pareciam intermináveis, como se a noite se unisse, em ligação direta, a outra, sem luz diurna visível. Quando os ossos doíam das tempestades interiores que descompunham o corpo por dentro. Quando a luz era baça, as cores oprimidas e a voz rasgava os sobressaltos que as voltas aleatórias do tempo arrotearam. No fio da navalha. Com o punhal ereto em ameaçadora pose, querendo ir à carne para a sangrar.
Mas depois, uma figura salvífica. Depois, aos bocados, os azimutes todos repostos em seu lugar. Depois, das ruínas de outrora nem sombra de cinza espalhada no chão. Depois – depois – já nada parecia desabar em sobrepostas camadas de desjeito. E depois, quando veio uma aurora diferente, com a claridade matinal a esbracejar poemas no céu tão claro, os poemas tão altivos, havia uma mão estendida. Um salva-vidas prontificando-se a sê-lo. A escuridão atilada perdendo os mastins furiosos que partiram em perseguição, rosnando a sua fúria perante uma desajeitada forma de ser. No labirinto que era perdição do corpo, imerso em desorientação dilacerante, achou-se uma claridade que pressagiava uma porta. Do outro lado, com uma generosidade desarmante, a mão estendida.
A mão estendida que se oferecia, salvífica. Contraforte das fragilidades arquivadas num canto da memória (sem serventia). Uma mão quente, suavemente adocicada, que vinha em afago quando pesadelos tacanhos amedrontavam o sono. Ali estava a mão, sempre pronta, a temperar os ânimos desassossegados. A tão generosa mão arrumou os embaraços no volteio dos pretéritos a que não cabe reminiscência. E apeteceu dizer “tomo a tua mão”, enquanto as duas, diferentes mãos, erguiam um cálice aos céus que eram testemunhas daquele festim.
A mão nunca se esconde. Não se intimida com o frio invernal nem com a canícula do verão. Não dorme. Vigilante, num voo perene, cauciona a serenidade impante que veio depor o outrora desacerto centrípeto. Quando ouvi “toma a minha mão”, em humilde deposição que era afinal minha restauração das ruínas, fui maior que o maior dos homens.

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