Dead Combo, "A Bunch of Meninos", in http://www.youtube.com/results?search_query=dead+combo+a+bunch+of+meninos&sm=3
Uma lei de bronze que os maus tempos
tratam de apurar: a má moeda atrai outra má moeda. (E depois um aforismo popular:
que venha o diabo e escolha.)
Em tempos de tantos apertos, o espaço
público reinventou-se. É – dizem os otimistas – um dos maiores triunfos da
democratização de que há memória: todos temos opinião publicada. Não interessa
se há ou não audiência. O que importa é trazer a opinião ao espaço público que
tem um tamanho sem tamanho. E, por causa dos apertados tempos envasados em
tantas dificuldades, com uns medíocres instrutores da tabela que nos rege na
transição dos estroinas para um futuro que ainda é incógnito, o espaço público
foi emprenhado por uma nova casta. Uma casta de doutos da coisa pública, com
verbo fácil e adjetivo prolífico, que se distinguem pela assertividade com que
denunciam a má governação, a má têmpera dos governantes e a sua irretratável
inépcia, a agenda de empobrecimento que estão a conseguir impor, e por aí fora.
São os catedráticos do óbvio.
Na sua ciência – poder-se-ia alcunhar
“obviazação” – cortam raso no diagnóstico e emprestam a sua aura sapiente ao povo
imorredoiro, o povinho que vê as costas arqueadas pelo peso das injustiças com
assinatura dos governantes e que, mesmo assim, reitera na escolha dos de
sempre. Mas os catedráticos do óbvio estão no seu posto, vigilantes como nunca
se viu tamanha vigilância. A severa pena afiada, pronta para destilar prosa
acutilante que, no fim de contas, chama néscio ao povo desatento e mais néscio
ao que está atento e na hora de ir à mesa de voto mostra que nada aprendeu.
Destilam, ato contínuo, um fel de intensa acidez – sem se saber se acham que o
mundo conspira contra as suas pessoas, ou se as suas pessoas estão mortificadas
por uma vida sexual desinteressante.
Eu gostava que estes cicerones do espaço
público se chegassem à frente e pusessem as suas superiores capacidades à
disposição de partidos (velhos, novos, ou em embrião), ou de movimentos de
intervenção cívica. Gostava que extravasassem o conforto das teclas de um
computador e entrassem na competição pelo poder. Assim como assim, tão sábios e
embebidos em qualidades que os deixam num pedestal intelectual, deviam legar-se
ao serviço público, nestes que são tempos de apertos e de medíocres tutores do
poder. Teríamos a consagração da ciência do óbvio. Podia ser que se confirmasse
o que apregoa gente lhana: a erosão da complexidade deixa à mostra o óbvio das
coisas. Ou, então, que o óbvio é apenas um fino verniz que embacia a densidade
das coisas (mas esta não é lição tossida pela gente lhana).
Se me obrigassem, sob pena de privação
da liberdade, a escolher entre duas castas de ineptos, preferia manter os que
lá estão. Eis a minha acrimónia: esmagado pela prosápia pesporrente e pela
hermética certeza dos catedráticos do óbvio, às vezes quase me apanho a ser
apoiante dos maus governantes que temos. E isso não lhes perdoo (às duas
castas).