Aimee Mann, "Wise Up", in http://www.youtube.com/watch?v=aNmKghTvj0E
Um ator morre com uma agulha espetada
numa veia. O mundo tece seus prantos. Um músico morre depois da decadência em
que tropeçou, num cocktail de drogas
e álcool e depravação. E o mundo tece seus prantos. Um anónimo de andrajos e
barba mal escanhoada, em evidente falta de higiene pessoal, parqueia carros e
pede uma esmola para o vício. O mundo inteiro desconfia, rosna com desdém. Um
destes anónimos já não volta a acordar, quando o encontram no esconderijo
imundo com uma agulha espetada na numa veia, rodeado por ratazanas. E o mundo
continua impassível, na contabilidade do perecimento dos inúteis.
Os dependentes prometem-se redenção. Sabem
que a vida depende da redenção. Ninguém o sabe melhor. E, todavia, sucumbem no
combate contra as forças que emergem de dentro deles e lhes embargam as forças
para não serem o que são. As dependências extinguem a vontade. Há quem diga que
não é assim; que alguns conseguiram travar o combate e dobraram o braço às
forças malévolas que colonizam a vontade. Mas os casos são todos diferentes.
Somos a força da genética. Às vezes, a genética é fraca. Submissa. Docemente
covarde, quando se ajoelha diante dos altares que prometem as vãs sensações
propulsionadas pelas dependências (quaisquer que sejam as dependências). Ainda
têm de levar com a reprovação social. Ostracizam-se. E deixam-se ainda mais
ostracizar pelos outros, os que decerto não têm vergonhas próprias para expiar.
Levantam-se os dependentes. É outro o dia.
É o seu maior triunfo: saberem que há uma alvorada outra vez. Não, não são os
fracos que convém apostrofar. Os que levamos a vida tão normal, tão estéril e
cheia de virtudes, nem sabemos como é frágil cada alvorada. Nem percebemos a
dor do deitar – nem eles, em boa verdade, quando nem dão conta, imersos nas suas
dependências, que mergulharam no sono. Nem percebemos a algazarra da alvorada,
só de sentir que houve mais uma alvorada. Mas as dependências depressa consomem
a sensação de gratificação que os percorre por dentro.
O vício é um chamamento irrecusável. Toma
conta de tudo. Por mais que se prometam curas que, as mais das vezes, são
adiamento de uma reincidência. Até que já não haja tempo para reincidir. Porque
o tempo se apagou. Na voracidade das dependências.
1 comentário:
Dissonantes harmonias ...
"Magnólia" - Uma coreografia de emoções tecidas em pano cru com fios do quotidiano.
Aimee Mann - As molduras feitas à medida para sustentarem as diversas telas em que a sua música emerge e se incorpora.
O texto que se segue - O melhor que já li sobre a questão das dependências.
Uma só palavra para tentar descrever todos os acordes libertados por esta admirável publicação: Sinestesia.
Uma só imagem para tentar descrever a palavra:
(http://www.haroldfeinstein.com/wp-content/uploads/2013/12/acik-radyo-music-of-the-people-418x686.jpg)
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