3.2.14

Torre de papel

 

In http://www.zenzi.org/blog-imagen/Diciembre-2010/arte-papel-torre-babel.jpg
-    Tens medo da lua?
-    Se corro contra o tempo, empunhando um punhal afiado, por que teria medo da lua?
-    Pareces amedrontado com o luar que quebra a tirania da noite...
-    Impressão tua. Sou um pouco como um lobisomem. Alimento-me do luar.
-    Das luas todas que o sol tem?
-    E de todas mais que vierem a ser achadas.
-    Não te são dadas a conhecer fragilidades dentro de ti?
-    E isso importa?
-    Tínhamos combinado que eu fazia as perguntas.
-    E as regras são rígidas?
-    Fazes outra interrogação...
-    Se me conheço fragilidades? Nunca pensei nisso.
-    És como um castelo, as ameias tão altas que por dentro és oculto aos demais?
-    Dentro de mim não há nada que interesse aos outros.
-    Não é só um pretexto para ensimesmares?
-    Digo-te que é apenas aquilo que é.
-    Mas podemos ser uma ilha, como se não articulássemos com os outros? Não te esqueças, vivemos em sociedade.
-    Admito. Vivemos em sociedade. Mas preservo as fronteiras que me separam dos outros. Com eles interajo no estritamente necessário.
-    Tens ideia que navegas num egoísmo que pode ser atroz aos olhos outros?
-    Lá vens tu com a mesma ladainha. Os outros são uma desnecessidade.
-    Pisas o risco da sociopatia?
-    Não sei. E também não sei o que é a sociopatia.
-    Aqui chegados, tenho outra perplexidade: chegas a gostar de ti mesmo?
-    Não vejo a utilidade da pergunta.
-    Se rejeitas os outros, a menos que deles precises, dir-se-ia que te auto deificaste?
-    Essa é uma pergunta desconfortável. E sem serventia que se veja.
-    Porquê?
-    Porque se ensimesmo, e se desvio o olhar das apoquentações que não são minhas, por que hão de os outros pronunciar-se sobre a minha existência?
-    Foges da resposta com uma interrogação...
-    ...Não! Constato. É um método. E até admito que ao ser metódico me inspirei numa regra que cimenta as vossas relações sociais: não praticar para fora de mim o que não admito que sobre mim, através das mãos outras, seja cometido.
-    Vives numa torre de babel?
-    A que vem ao caso tal demanda?
-    Inexpugnável, labiríntica, a torre das ameias do tamanho do céu.
-    Só a alguém que montasse num corcel alado seria admitida a visita ao meu castelo.
-    Tem cuidado. Um dia vens a descobrir que afinal és senhor de uma torre de papel. Frágil como o papel se revela quando vem o primeiro vento enfurecido.

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