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Sentia-se filho bastardo das terras que
foram suas. Olhava para trás, para o mapa que assinalava as suas paranças, e
não sentia o odor de nenhuma terra. No efémero nomadismo, um dia confessou a um
ocasional, anónimo companheiro de boémia que não se achava rejeitado pelas
terras que tinham sido suas, pois ele é que as abjurava. O companheiro de
boémia conseguiu arrebatar um momento de lucidez e, entre a ebriedade,
perguntou se alguma vez tinha pegado num punhado de terra para sentir o cheiro
característico. Perguntou se alguma vez notara que no cheiro da terra
transpiram as lágrimas e as alegrias nela vertidas. Entre dois goles de brandy, espacejando as palavras
entarameladas, ainda soube dizer que as todas terras têm cheiros diferentes.
Não deixou de pensar nas interrogações
do estroina. Ao ser nómada, em constantes andanças pelas quatro partidas do
mundo, tão depressa aterrava num lugar e enraizava o que achava serem uns
rudimentos de identidade, como depressa emalava os pertences e debandava para outro
lugar. Nunca soubera como é sentir o cheiro característico de uma terra –
admitia. Nunca sentira o apelo. Havia quem o censurasse pela desidentificação
que não combatia, por não cultivar raízes que tinham de arrolar a pertença a um
só lugar, ainda que fosse hóspede de muitos lugares. Nunca se demoveu. A
identificação com uma terra há de ser espontânea, quando chegar o momento de o
ser, se em algum tempo o momento se anunciar.
A páginas tantas, sobressaltado pela
imagem da terra que nunca fora cheirada, inaugurou a prática. Pelos lugares que
foram sua parança quis subtrair um punhado de terra viva para a oferecer ao olfato.
Continuou sem perceber o amplexo de sensações imortalizadas por levas de
escritores. Não foi apoquentação que temesse. Não era matéria que coalescesse a
insónia. Nem se intimidava com as insinuações sobre a insensibilidade que
vinham dos mais chegados (que eram, tal como o seu nomadismo irrecusável, gente
sempre efémera) e dos muitos desconhecidos com quem travava conversa. Os outros
não entendiam como podia alguém ser tão desligado da terra e não reconhecer
nenhuma terra-mãe.
Não se importunava com os archotes
vivazes que contra ele eram atirados. O seu olhar via por cima. Considerava-se
de todas as terras que foram suas andanças. E de todas as outras que viessem a
sê-lo. De toda a terra, sem mutilar nenhuma das suas partes.
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