28.2.14

Os catedráticos de lana caprina

Dead Combo, "A Bunch of Meninos", in http://www.youtube.com/results?search_query=dead+combo+a+bunch+of+meninos&sm=3
Uma lei de bronze que os maus tempos tratam de apurar: a má moeda atrai outra má moeda. (E depois um aforismo popular: que venha o diabo e escolha.)
Em tempos de tantos apertos, o espaço público reinventou-se. É – dizem os otimistas – um dos maiores triunfos da democratização de que há memória: todos temos opinião publicada. Não interessa se há ou não audiência. O que importa é trazer a opinião ao espaço público que tem um tamanho sem tamanho. E, por causa dos apertados tempos envasados em tantas dificuldades, com uns medíocres instrutores da tabela que nos rege na transição dos estroinas para um futuro que ainda é incógnito, o espaço público foi emprenhado por uma nova casta. Uma casta de doutos da coisa pública, com verbo fácil e adjetivo prolífico, que se distinguem pela assertividade com que denunciam a má governação, a má têmpera dos governantes e a sua irretratável inépcia, a agenda de empobrecimento que estão a conseguir impor, e por aí fora. São os catedráticos do óbvio.
Na sua ciência – poder-se-ia alcunhar “obviazação” – cortam raso no diagnóstico e emprestam a sua aura sapiente ao povo imorredoiro, o povinho que vê as costas arqueadas pelo peso das injustiças com assinatura dos governantes e que, mesmo assim, reitera na escolha dos de sempre. Mas os catedráticos do óbvio estão no seu posto, vigilantes como nunca se viu tamanha vigilância. A severa pena afiada, pronta para destilar prosa acutilante que, no fim de contas, chama néscio ao povo desatento e mais néscio ao que está atento e na hora de ir à mesa de voto mostra que nada aprendeu. Destilam, ato contínuo, um fel de intensa acidez – sem se saber se acham que o mundo conspira contra as suas pessoas, ou se as suas pessoas estão mortificadas por uma vida sexual desinteressante.
Eu gostava que estes cicerones do espaço público se chegassem à frente e pusessem as suas superiores capacidades à disposição de partidos (velhos, novos, ou em embrião), ou de movimentos de intervenção cívica. Gostava que extravasassem o conforto das teclas de um computador e entrassem na competição pelo poder. Assim como assim, tão sábios e embebidos em qualidades que os deixam num pedestal intelectual, deviam legar-se ao serviço público, nestes que são tempos de apertos e de medíocres tutores do poder. Teríamos a consagração da ciência do óbvio. Podia ser que se confirmasse o que apregoa gente lhana: a erosão da complexidade deixa à mostra o óbvio das coisas. Ou, então, que o óbvio é apenas um fino verniz que embacia a densidade das coisas (mas esta não é lição tossida pela gente lhana).
Se me obrigassem, sob pena de privação da liberdade, a escolher entre duas castas de ineptos, preferia manter os que lá estão. Eis a minha acrimónia: esmagado pela prosápia pesporrente e pela hermética certeza dos catedráticos do óbvio, às vezes quase me apanho a ser apoiante dos maus governantes que temos. E isso não lhes perdoo (às duas castas).

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