The Gift, "My Lovely Mirror", in http://www.youtube.com/watch?v=FGPtGezeI1o
Um espelho. Um imenso espelho diante de
todos nós. Em todos os lugares, quando damos conta que precisamos de ver para
além do que o olhar alcança. Das outras vezes, o espelho só está onde estão os
que dele procuram serventia. É quase sempre assim.
É um espelho resplandecente. E não
precisa de ser dia solarengo. Resplandece porque temos, sem exceção, um recanto
onde medram os nenúfares floridos que são sedimento dos poetas. Sem exceção,
somos, naquele pedaço interior que incandesce até em árticas paisagens, um
oráculo que dissolve as más profecias sobre a espécie de que somos espécimes.
Pode o espelho não refletir imagem recomendável. É mesmo certo que o primeiro
olhar que deitamos sobre o espelho onde aparecemos retratados seja estranho, um
campo estéril domado por ervas daninhas. Mas isso é porque somos modestos. Ou
porque demora a sermos visíveis como imagens repercutidas pelo espelho.
A paciência deve vingar como método. O
olhar não deve desistir de sondar no espelho as irradiações que mereçam
aplauso. O olhar deve entrar no espelho, desembaraçar-se da matéria lodosa que
encontra ao primeiro tato, persistir nas interrogações. Uma teima saudável. Deve
partir sem ser de pé atrás. Esgrimir com as forças interiores que açambarcam a
bonomia que se perde num rasto invisível. Há atrocidades, gente capaz do
inominável, perfídias, nuvens sombrias que se arqueiam sobre as costas dobradas
da espécie de que somos espécimes. O espelho que convoca um olhar além de si
mesmo ensina que as coisas têm de ser sopesadas. Ao património que envergonha
corresponde outro tanto, se não maior, admirável património. O olhar além do
espelho cativa o método exigível. Esquadrinha os pesares, desmotiva as nuvens
sombrias, corrige o dorso arqueado pela culpa ladina que vem da educação assim
convencionada.
Ao olhar além do espelho, é uma redescoberta.
Achamos um eu desencontrado. Reaprendemos a ser, de braço dado com o eu agora
redescoberto. Já não interessa regressar à casa da partida. Tínhamos de saltar
a cerca e voltar do lado oculto do espelho. Seria uma loucura sem préstimo.
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