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Este é um breve ensaio sobre a
bestialidade humana. Ou, apenas, um sentido lacrimejar que verte uma
incorrigível ingenuidade. Somos o que somos. Desta matéria inescapável não
sabemos ser fugitivos. Andámos na bruma da história, como andamos em sucessivos
episódios, num olimpismo de matanças que destoa da antropocêntrica lição de que
somos a única espécie animal dotada de racionalidade. Podem os vezeiros na
necessidade do conflito humano recordar que o antagonismo, quando desce para as
margens da intolerância, alimenta bestas que se esquecem da sua racional
condição. Esses, que desprezam o valor incalculável de qualquer vida humana,
acabam resignados à racionalidade das guerras. Dizem: as guerras servem para expiar
males; e argumentam que servem para acabar com uns párias, com as suas ideias
absurdas, ou o seu apego ao poder ao arrepio da hostilidade de quem governam.
O machado de guerra não chega a ser
enterrado. Às vezes, quando da história sobram humilhantes guerras que são o
degredo de inomináveis atrocidades, proclama-se a reinvenção dos tempos. Um
otimismo exacerbado, em contraponto com as plúmbeas nuvens que vinham de trás,
é servido em cálices de fina porcelana. Não tarda a esmigalhar-se a porcelana,
esmagada pelos dedos duros e pela verve empedernida dos homens que não sabem
aceitar a diferença. O machado de guerra nunca teve funeral. É património
genético da condição humana. Que haja peritos que nobilitam a “arte” da guerra
e que se entretenham a congeminar “teatros” de guerra, manipulando a carne para
canhão que são os peões servidos num banho de sangue, é o espelho da má têmpera
de uma humanidade desmembrada em seus fracos instintos. (E um insulto a
palavras tão nobres como “arte” e “teatro”.)
As imagens que mostram Kiev em
trincheiras. As imagens de gente baleada por snipers traiçoeiros. As imagens dos diplomatas que pesam todas as
palavras para não ferir suscetibilidades. As imagens dos polícias e do exército,
armados até aos dentes, não hesitando na violência gratuita. E as imagens dos
barricados que também decaíram na violência pela violência, numa espiral que –
teme-se – possa ter um fim muito adiado. É toda uma vergonha que um desenganado
dos pergaminhos da humanidade não cessa de sentir.
Pode a idade acumular-se nas folhas do
calendário. Podem as guerras ir e vir com o tempo. E muito sangue de inocentes
ser derramado. Não sei aprender esta lógica autista, esta linguagem violenta, o
depreciar da vida humana. Não sei desaprender esta ingenuidade que, todavia, já
me ensinou que não há pessimismo antropológico que ganhe espessura. Não é
pessimismo. É o que existe. Uma humanidade com atração pelo abismo da
autofagia.
(Em Faro)
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