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Fica para além da compreensão o desdém
por palhaços. É costume apoucar alguém alcunhando-o de palhaço, mas a medida
está errada. Os palhaços são matéria fina por serem serviçais da boa disposição
de quem é seu destinatário. E tanto podemos pensar nos palhaços profissionais,
por mais que se esforcem em não ter graça nenhuma, como nos que se
profissionalizam na arte de terem graça sem serem profissionais do ramo. Há
ainda os que esmeram no risível. É ingrato desprezá-los, atiçando-lhes o
opróbrio de serem palhaços: em vendo bem, tantas e sonoras gargalhadas se
soltam ao seu passar que não merecem menosprezo.
O mal da semântica é que se populariza
em falácias. Quando o povo chama palhaço a alguém, não é elogio. Às vezes, é dito
com voz arrastada que transpira agressividade. Como podemos ser agressivos para
alguém que nos faz rir? É como daquelas vezes que mandamos alguém copular e a
frase é atirada com agressividade latente. A semântica que se populariza,
adulterando o sentido das palavras contidas na frase, rejeita um deleite. Se
mandamos alguém copular, e se da respetiva prática gostamos, a remissão não
pode ser ultraje. Em vez de desejarmos mal a quem ao coito destinamos, é um bem
imenso que lhe pressagiamos. A menos que o povo desabrido, na sua maldizente
língua, não seja atreito à prática e, mal amanhado com o mencionado assunto,
invejosamente mande os outros fazer aquilo que para ele é consumição.
De outras vezes, quando alguém pisa os
limites da paciência e esta se transborda em impaciência, mandamos a dita
personagem pentear macacos – ou apurar se estamos na esquina mais próxima. Destila
mau feitio quem o faz. Pentear macacos não é uma prática que desmerece o
tratador, ou todos os tratadores de animais seriam desqualificados por terem
profissões menores. E o que chamaríamos a alguém que nos fizesse a vontade e
desatasse a pentear macacos (se os primatas admitissem os tratos de polé)?
Palhaços, certamente.
Este é um círculo vicioso que não
tergiversa. Se não gostamos de alguém e o invetivamos como palhaço, para depois
mandarmos outro ir pentear macacos (ou ser ingénuo ao ponto de nos ir procurar
na esquina próxima quando nela não estamos) para lhe pespegarmos a alcunha de
palhaço, é sinal de que cultivamos manobras circenses. Fazemos bem: pois se as
manobras circense desatam o riso, ao menos desviamo-nos da zigomática expressão
sorumbática.
A semântica popular devia sofrer revisão
terminológica. Em vez de ser insultuoso, de alguém que considerássemos palhaço
seria dos melhores elogios a fazer.
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