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Agora sou patrão. Que é como que diz:
porto-me como patrão. Ganhei pergaminhos. Arroto quando me apetece, onde me
apetece. Tomo banho quando calha, ou quando me cheiro mal e não apetece
cheirar-me a pútrido. Como muito, como se o amanhã não viesse. Bebo do melhor.
Muitas vezes ao dia. Já não me interessam os tratos de polé, um sacrifício imoderado
do corpo.
Agora é só hedonismo e ensimesmar.
Engordei, passei das medidas. Deixei de caber na roupa que era de quando era
elegante. Mas não deixei de ser galante – e sei que sou sedutor. Nem sequer a
extravasão das medidas, quando mal consigo discernir o sexo ao estacionar
diante de um urinol, destrói a autoestima. Como sou rei do meu reino, e todos
os demais são súbditos por causa da sua periférica condição, trato-os com
desdém. Transpiro rudeza; é uma defesa contra as desfeitas que chegam das
quatro partidas do mundo. Para meu bem-estar, tornei-me desconfiado antes que a
confiança para fora de mim seja minha traição.
Sento-me na esplanada com as gordas
coxas escancaradas, o cóccix escorregando até ao limite da cadeira, e
contemplo, com pose sobranceira, os que passam. Não peço por favor quando encomendo
as imperais, nem é esquecimento; a jactância cauciona um estatuto e o estatuto
dispensa a boa educação dos moles. Na mesa de um lado, aterra uma
pós-adolescente que exala lubricidade. Na mesa do outro lado, uma aparentemente
divorciada que mal se amanha com a pré-menopausa. Deito olhos às duas, uma de
cada vez. Atiro à mais velha uns piropos sedutores à saída. Empertigada,
acusa-me de ser boçal e eu não percebo (ainda não fui ao dicionário saber o que
é boçal). Limitei-me a usar linguagem grosseira. Elas gostam de ouvir um homem
que se gaba de o ser a ostentar a máscula condição que se verte na
superioridade do género.
Agora só faço o que me apetece. Dou-me
ao luxo de obedecer quando estou para aí virado. Porque agora tenho carta de
pesados. A mais invejável das condições. Vejo tudo de um pedestal, cá de cima
onde tantos almejam trepar e só um escol consegue lugar. Pois tenho carta de
pesados. Sou o motorista do meu próprio pesado. Agora sou patrão. Senhor da
minha própria boçalidade, sem ter de pedir desculpa nem baixar a cabeça em
humilhante dose de humildade.
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