7.2.14

O inverno do descontentamento

Pixies, "Stormy Weather", in http://www.youtube.com/watch?v=CKvjORjy0d4
Conversa sobre o tempo, do tempo que faz, com a sucessão de intempéries. Mas não é para desconversar.
Ouço as pessoas a lamentar a invernia rigorosa que se pôs este ano. Estão fartas da chuva, do vento, do frio, das tempestades, do mar alteroso, dos alertas amarelos e laranjas e vermelhos do instituto de meteorologia. Há prantos pelas saudades do tempo soalheiro do verão. Alguns, se lhes fosse dado o vencimento da sua vontade, nunca tinham inverno. Detestam a chuva. Nunca pensaram o que seria do bem-estar (a começar pela higiene que exige banhar o corpo) se a chuva fosse banida dos boletins meteorológicos. Outros, resignando-se à chuva – como se fosse um preço irrecusável para aprouver necessidades básicas – protestam contra a congeminação dos elementos atmosféricos que, neste inverno, dirigiram as nuvens em ininterruptas catadupas para o território onde estamos.
Como a memória tem perna curta, quase todos se esquecem que os invernos anteriores foram de aridez (para os padrões a que estamos habituados). É assim que somos: gente radical. Quase todos ignorantes da ciência meteorológica, andámos ansiosos com a aridez prolongada que tomou conta de invernos anteriores, fazendo aliança com os peritos que advertiam para as catástrofes que podiam vir se a chuva não nos visitasse. Só faltou fazer danças da chuva, pedindo-as de empréstimo a uma tribo índia especialista no assunto. Agora que o inverno tem sido abundância de chuva, encharcando os ossos dos que são apanhados na rua a meio de uma intempérie, atiramo-nos contra a impiedosa mão divina que desviou a rota das plúmbeas nuvens para estas latitudes e açambarcou o sol, adiando-o para o tempo em que o tempo é seu feitor.
Ainda dizem que somos de brandos costumes. Ou nos queixamos de invernos sem chuva, ou protestamos porque os invernos são passados a água. Quem se despe no altar da radicalidade não é de brandos costumes. Assim como assim, será a influência que os elementos atmosféricos produzem sobre nós. Tal como temos invernos rigorosos (por ausência ou excesso de chuva), também temos propensão a ser radicais. Como o tempo que se põe.

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