11.2.14

O angariador de abraços

In http://strawberryindigo.files.wordpress.com/2013/10/free-hugs.jpg%3Fw%3D835%26h%3D400%26crop%3D1
Noites bem dormidas. Isentas de pesadelos. Um sono atapetado por lençóis de seda. Só possível aos que não tropeçam em apoquentações. Aos que se abraçam ao mundo com os defeitos que são seus, e os do mundo, sem decair num palco dramático, onde o negrume realista berra tão alto.
As alvoradas são sempre erupções radiosas, as cores abrindo-se numa cornucópia de flores pujantes em seu perfume. “Os olhos sem olheiras vêm melhor”, diz para os seus botões enquanto espreita no espelho da casa de banho depois de discernir o tempo lá fora (por sinal, chuvoso). As baias do dia, de todos os dias, são da sua autoria. Não vira a cara ao lado obscuro do mundo, em abruptas doses servido pela imprensa. Mas não capitula. As desgraças, as mortes, as misérias, as decantações da bondade (em sua furtiva debandada), as aleivosias, os disfarces, a contumaz ilação superficial – o cardápio inteiro que os olhos, ausentes de olheiras, desfolham enquanto se desembaraça do pequeno-almoço.
Plano do dia: o mesmo dos dias anteriores: descer à rua, uma qualquer movimentada no coração da cidade, e oferecer abraços às pessoas que passam” – regista mentalmente. Pois não há, naquela casa, nem nas casas em redor, ninguém com quem trocar umas palavras. Não é isso que o entristece. Está vacinado contra a melancolia. Tivera a sua dose. Aprendera com a inutilidade da melancolia. E aprendera como é escasso o tempo de sobra. Por mais que seja – é escasso. Não pode esse tempo ser domado pela melancolia, ou pelas forças que usurpam a escuridão e embaciam a humanidade.
Saiu à rua. Pôs uma fatiota a preceito, apessoado como iria para o escritório (que já não era seu poiso). A tiracolo, as tarjas de cartão por onde enfiaria a cabeça assim que subisse da estação do metro a uma das ruas centrípetas da cidade. Na tarja, em letras de cores garridas, o dizer ostentatório: “ofereço abraços!” Assim como assim, tinha de transformar a desocupação numa utilidade, tinha de fugir da hibernação. Para os outros, indiferentes ou não à sua generosidade afetiva. E para o tempo seu que, desocupado, não podia ser convertido em bálsamo de sobressaltos.
As lágrimas, não as enxugava de si mesmo. Retirava-as dos rostos fechados dos anónimos que aceitavam um abraço. Nem que fosse por uns segundos.

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