Silk
Rhodes, “Pains”, in https://www.youtube.com/watch?v=SoxbvE1Doog
Faltavam motes. Uma
centelha que bordejasse as fronteiras do céu com segredos de como transformar
uma vida em exaltação dos sentidos. Ao contrário, o tempo era onde a tristeza
se macerava. Um estuque que emoldurava a perenidade da melancolia.
A certa altura, o tempo
já passava por desiderato aleatório, como se fosse uma estéril paisagem de onde
já não havia frutos para colher. Era como se desistisse. Como se já nada
interessasse, nem houvesse um frémito a descompor a melancolia que de tudo
tomara conta. O tempo atravessava a melancolia – ou era a melancolia que
atravessava o tempo, já nem conseguia distinguir a causalidade (mas também não
importava). O rosto acabrunhado, o sono que transigia diante das insónias, as
insónias prolongando a pungência que metia um punhal fundo e afiado na carne.
Mas se nem a dor já era uma consumição: era como se a dor tivesse colonizado os
sentidos, ou estes estivessem anestesiados à dor ensaiada. A anestesia de tudo
era mau presságio. Dir-se-ia que à falta de alguma coisa reverter para o
domínio do interesse, aguardava que uma manhã já só fosse alvorada para os
outros.
Arreliado, recusava os
outros. Metera-se numa tremenda solidão, ao jeito de uma missão que convocava monástico
recolhimento. Queria ser um pagão artífice do seu penar. Mas não queria
derramá-lo para fora de si. Não queria ser acometido pela comiseração dos
outros. A morte, nem que fosse por suicídio, antes da comiseração. Bolçava a
ira reprimida. Sabia que não tinha préstimo irradiar a ira para o exterior: os
outros não tinham culpa da sua incapacidade, não podiam sufragar a imprevidente
existência que era a sua.
A dor que era sua, doía
só a ele. Deixava a dor dos outros para os limites que lhes pertenciam. Pois
não era justo socializar os pesares, deixá-los transbordar para os lugares e as
pessoas limítrofes. Ao menos, sobrava-lhe essa conspícua transparência.