Bizarra
Locomotiva, “Cada Homem”, in https://www.youtube.com/watch?v=3YAOypXDtLg
A jugular ferve. As ondas
enfurecem-se contra o cais onde a lucidez quer regaço, mas não consegue. Os
olhos irradiam efervescências encarnadas, parece que querem saltar das órbitas.
A pele, de tão febril, dir-se-ia pronta para frigir alimentos. Pelo corpo fora,
um contínuo abalo telúrico; parece que o chão se quer dissolver debaixo dos
pés, e um precipício voraz engolir o corpo no seu vazio.
Os elementos aparecem em
contumaz conspiração contra tudo. E tudo aparece na ponta de uma baioneta, que
com a incandescência dos elementos não demora a bolçar suas balas. O punhal
pendente, o punhal que espera pela primeira oportunidade para se emancipar do
cordel que o ata, abeira-se dos limites. Por baixo, o rio caudaloso transporta
nutrientes iracundos. Chega ao mar e contamina a (já) maré viva com fúria
enlameada. Que ninguém se chegue às margens daquele rio, ou ao areal onde o mar
se esmaga. Tudo se congemina para a adulteração da alma. Tudo se compõe para o
destravar da fala, num troar que acompanha a ventania medonha.
Mas tudo encontra um
contrapeso. De que adiantam as febres impuras, os olhares que incomodam, as
palavras que incendiam estados de alma, ou as águas tumultuosas que deitam mais
ira para a ira que já se transporta em seu leito? Só resolvem a falta de
lucidez, que de tão ausente traz consigo ainda mais omissa lucidez. É uma forma
de loucura que se abeira do precipício por onde o corpo arremete, carrega em si
um íman em direção do precipício. Os sobressaltos desarranjam a alma, são
moléculas contaminadas a tomar de assalto as partes nobres da alma.
Eis que uma garça desenreda
as inquietações. No céu, desenha uma coreografia prodigiosa. Os olhos ocupam-se
com o céu tomado pela fantasia da ave, que parece dissipar os olhos embaciados
com pétalas perfumadas que sobressaem das asas. Das asas que sussurram um
segredo: que se meta o sangue fervente em seu refrigério imperativo. Os olhos que
se fechem ao que não importa, ou os ouvidos que se encerrem num mutismo, que as
importunações todas sejam desfeitas em mero pó e, como pó em que sobejam,
destravem a brandura de tudo em redor. Até que sobrem as cores engalanadas do
tempo, as palavras sejam todas ungidas com açúcar e a pele esteja embebida no
perfume derramado pelas asas da garça.
O sangue, por fim,
domado. E já não a torrente selvagem que galga os intrépidos contrafortes que se
amontoam no caudal do rio. O punhal só encontrou sangue frio.
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