Robert
Wyatt, “Hasta Siempre Comandante”, in https://www.youtube.com/watch?v=knaKOMgZi4M
Um jantar. Dois jantares.
Em roda de amigos. Umas conversas de café. Algumas mensagens trocadas – por email e por telefone. O tema passara a
ser imperativo. As eleições na Grécia eram o mote para o resto dos países.
Tinham de ser. À maneira de imperativo categórico. Para restaurar a justiça que
andava ausente há tanto tempo. Ele fizera-se porta-voz da mudança. Convenceu-se
que tinha de catequizar mais gente, convencê-los da oportunidade única de
mudança que tínhamos nas mãos.
- É agora ou nunca. Temos de ter um Syriza aqui. O povo não merece ser
sacrificado por mais tempo. Não achas?
- ...Talvez...não estou muito convencido que soluções radicais...
- ...Não caias na armadilha. Não te alies aos conservadores apavorados
com o despontar da esperança. Não dês o braço aos deploráveis tutores da
finança. Olha para os pobres. Para os miseráveis que ficaram ainda mais
miseráveis. Se não chegar, olha para ti, que perdeste bem-estar e te apoquentas
com a miséria dos outros. A tua consciência lida bem com este fascismo
implícito?
- Esta vaga de justiça social vai vingar?
- Depende de nós. De mim, de ti, de outros que consigamos convencer...
- ...Não me peças para ser como os pregadores de fé, de porta em porta a
angariar clientes.
- Não é isso. Fala com os teus conhecimentos. Sei que foi difícil
convencer-te desta causa, bem sei que as tuas ideias não combinam bem com o
espantalho da “extrema-esquerda” que os detratores insidiosamente nos colam.
- (Pensando com os seus
botões, em surdina: quem te diz que já me
convenceste?) A ver vamos. Quero ver a experiência da Grécia. Depois te direi
se estou convencido.
Uns meses depois, em
antevéspera de eleições, voltaram a encontrar-se. A causa veio para dentro da
conversa:
- Diz-me: estás convencido da justeza desta causa? Vais votar em
consciência, como a tua consciência, se estiver afinada pela justiça social,
manda?
- ...Sim...isto é...pois, convenceste-me. Não se fala mais disso. Até a
outro dia, que agora estou com pressa.
No dia das eleições,
enquanto o pregador de esperança votava orgulhoso no partido da
extrema-esquerda que prometia toda essa esperança (só não se revelando em qual
deles), o outro fazia o que a consciência mandou. E, mandando às malvas a
catequização ideológica, escolheu quem lhe aprazia.
- (Pensando outra vez em
surdina, só para si: era o que mais
faltava, tanta pressão, tanta sabotagem intelectual, como se eu não soubesse
pensar pela minha cabeça. Julga que vou votar na extrema-esquerda – ou esquerda
radical, como eufemisticamente lhe chama. Não vou. Sei pensar pela minha
cabeça. E não alinho em modismos nem em imperativos categóricos. Prefiro a
liberdade de pensamento.)
No dia seguinte, os
adeptos da esperança grega estavam desorientados. As sondagens não se
confirmaram. A vitória esteve muito longe de se aninhar no regaço da
extrema-esquerda, como devia ser e apregoavam as sondagens. Não sabiam o que se
tinha passado. Talvez muitos que se julgava arregimentados tivessem desertado à
última hora, em plena mesa de voto.
Sem comentários:
Enviar um comentário