15.1.15

Manifesto anti-lúgubre

Yo La Tengo, "Be Thankful for What You Got", in https://www.youtube.com/watch?v=NScOWSbAyIU
Seja qual for a origem: um fado, uma divindade, a autoestima, uma combinação de fatores esotéricos, a simples normalidade das coisas que não procura achamento em justificações; seja qual for a origem, desde que inscreva no firmamento a beleza de todas as coisas que nos são dadas a contemplar.
Poderão os que se opõem a tamanha manifestação de comprazimento objetar que o mundo é terrivelmente imperfeito, embebido em soezes injustiças, que o mundo que assim é não vale duas estrofes. Mas tudo pode ser ao contrário. Tudo pode ser um mapa ungido a pétalas de ouro, o mapa onde os olhos se demoram. Não adianta a resignação perante os males que são apoquentação maior. Não têm serventia os quadros pungentes, os marcos geodésicos que selam a imperfeição do mundo, a imperfeição do homem que é seu tutor. Pois se a imperfeição é património genético, aprendamos com ela, com olhos que não recuam diante dos sobressaltos, e que se assuma a imperfeição.
Método diferente (e aconselhável) é desistir da observação das fragilidades que consomem o homem. De tanta teimosia em achar as coisas pútridas que não se podem declinar, ainda vamos a caminho de tornar este espaço inabitável, uma casa onde só contam as coisas lúgubres. Para não se atrair o véu das lamentações, devemos apelar às forças que forem convocadas pela variedade de sentimentos (um fado, uma divindade, a autoestima, uma combinação de fatores esotéricos, a simples normalidade das coisas que não procura achamento em justificações). E louvaminhar o que temos nas mãos, o que nelas foi depositado por termos andado a correr atrás do vento. Da mais pura inutilidade são os prantos tecidos pelas coisas que deixaram de ter residência nas mãos que são nossas. Perderam-se nos vestígios do vento que demandou outras latitudes, por força da vontade ou sem ser por seu intermédio.
Só conta a grandeza do que é nosso, do que há em nós. Devemos louvá-lo. Em forma de gratidão, de preces, de autocontemplação narcísica diante de um espelho, de rituais genesíacos, ou da simplicidade de palavras simples – consoante a variedade heurística. Porque os lugares lúgubres são um ultraje à grandeza que somos.

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