My
Bloody Valentine, “Feed Me With Your Kiss”, in https://www.youtube.com/watch?v=s6I3JGzJAdM
(Da categoria “análise
política não convencional”)
Está feita a profecia. Os
deuses – as divindades gregas, bem entendido – continuam a existir. Depois de
engolidas numa prolongada hibernação, em que em seu sono deixaram o povo grego
nas mãos de bandidos nos governos (ou de governos de bandidos), rebelaram-se em
Delfos e repuseram a justiça. A extrema-esquerda ganhou eleições.
Ainda bem. Primeiro, e
metendo pelo paroquialismo da análise, dá gosto observar o prazer orgástico com
que os pastores da extrema-esquerda doméstica celebraram o triunfo dos
camaradas gregos. Só faz bem reconhecer o prazer da vitória dos adversários.
Tanto mais que estão tão habituados a serem reduzidos à insignificância
eleitoral quando vão a votos. E dá ainda mais prazer porque, imersos numa
excitação adolescente, pressagiam semelhantes vitórias de partidos irmãos, ou
pelo menos aparentados, por toda a Europa. Uma revoada de novos amanhãs que hão
de cantar.
Segundo, faz bem ao princípio
da diversidade de ecossistemas. Se há coisa enfadonha é uma paisagem monótona,
receitas sempre iguais que não permitem a comparação de resultados, sempre os
mesmos rostos alternando no trono do poder. E ter de suportar a jactância dos
que nunca vieram para o poder, a arrogância de quem critica tudo o que mexe e
nunca foi escrutinado pelas suas alternativas de poder (tivessem lá chegado).
Um ecossistema variado enriquece as sociedades. Aumenta o leque de escolha. Com
mais hipóteses de escolha, as pessoas têm de refletir melhor sobre o voto. As
decisões dos eleitores têm tudo para serem mais racionais.
Agora que entrou um novo
paradigma de governação no mapa da Europa, todos temos a ganhar. Vamos poder
comparar alternativas, desta vez alternativas em ação, não apenas alternativas
no plano das ideias. E os seus resultados. Só temos de esperar que a
honestidade intelectual faça o seu caminho para a análise não perturbada por
batotas. Não deve a governação de uns ser boicotada pela ação de outros. Nem
devem os possíveis insucessos da governação ser imediatamente imputados ao
boicote dos outros.
Esta vitória eleitoral é
uma prova dos nove. Para testar as soluções mais radicais. Falta saber se um
consegue impor a sua vontade aos outros vinte e sete países, se esse possível
braço de ferro é coisa democrática – ou se perfilha a versão ensimesmada que a
extrema-esquerda tem da democracia, que é fazer impor a sua vontade iluminada
contra a vontade meio apedeuta da maioria. As incógnitas sobram dos despojos
das eleições. Falta saber se vamos ter radicalismo em ação, se ele é consentido
pelos outros parceiros europeus; ou se a extrema-esquerda põe os pés no chão e
toma um cálice de realismo, moderando a radicalidade. Qualquer que seja o
cenário a vir à palco, falta o mais importante, que só vem depois: perceber se Tsipras,
o novo messias, não é outro Hollande.
Dê por onde der, a
subida da extrema-esquerda ao poder tem um potencial heurístico. Pela
primeira vez, vamos tirar do laboratório das ideias algumas, mais radicais, a
que tanto se insiste em colar uma aura de superioridade intelectual. O tempo
será seu julgador. Da plateia, cá estaremos no papel de espetadores (e
testemunhas).
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