30.1.15

Na almofada da melancolia

Silk Rhodes, “Pains”, in https://www.youtube.com/watch?v=SoxbvE1Doog    
Faltavam motes. Uma centelha que bordejasse as fronteiras do céu com segredos de como transformar uma vida em exaltação dos sentidos. Ao contrário, o tempo era onde a tristeza se macerava. Um estuque que emoldurava a perenidade da melancolia.
A certa altura, o tempo já passava por desiderato aleatório, como se fosse uma estéril paisagem de onde já não havia frutos para colher. Era como se desistisse. Como se já nada interessasse, nem houvesse um frémito a descompor a melancolia que de tudo tomara conta. O tempo atravessava a melancolia – ou era a melancolia que atravessava o tempo, já nem conseguia distinguir a causalidade (mas também não importava). O rosto acabrunhado, o sono que transigia diante das insónias, as insónias prolongando a pungência que metia um punhal fundo e afiado na carne. Mas se nem a dor já era uma consumição: era como se a dor tivesse colonizado os sentidos, ou estes estivessem anestesiados à dor ensaiada. A anestesia de tudo era mau presságio. Dir-se-ia que à falta de alguma coisa reverter para o domínio do interesse, aguardava que uma manhã já só fosse alvorada para os outros.
Arreliado, recusava os outros. Metera-se numa tremenda solidão, ao jeito de uma missão que convocava monástico recolhimento. Queria ser um pagão artífice do seu penar. Mas não queria derramá-lo para fora de si. Não queria ser acometido pela comiseração dos outros. A morte, nem que fosse por suicídio, antes da comiseração. Bolçava a ira reprimida. Sabia que não tinha préstimo irradiar a ira para o exterior: os outros não tinham culpa da sua incapacidade, não podiam sufragar a imprevidente existência que era a sua.
A dor que era sua, doía só a ele. Deixava a dor dos outros para os limites que lhes pertenciam. Pois não era justo socializar os pesares, deixá-los transbordar para os lugares e as pessoas limítrofes. Ao menos, sobrava-lhe essa conspícua transparência.

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