22.1.15

À medida da desrazão

Interpol, "All the Rage Back Home", in https://www.youtube.com/watch?v=-u6DvRyyKGU
Há uma terra onde cinquenta cêntimos chegam para comprar granadas de mão. Vinha no título de uma notícia. Não li a notícia. Não quis saber onde se trafica tanta desrazão. As vidas, porventura, valem tanto como os despojos de uma casa deitada abaixo por ser lúgubre. Ou como os ossos deitados fora, depois de desmanchadas as carcaças das reses abatidas no matadouro. Ou talvez seja pior: é que uma vida de gente não vale mais do que cinquenta cêntimos, os mesmos cêntimos que são precisos para comprar uma assassina granada de mão. Já as reses, depois de desmanchadas no mortuário que são os matadouros, são vendidas por mais dinheiro.
Seria altura para ditar para a ata, em jeito de protesto pueril (porque adolescente), que a humanidade tem a soberba da autofagia. Não precisamos de inimigos: somos os nossos maiores inimigos. Talvez seja da arrogância própria de quem se situa, na escala das espécies, num trono que exala uma superioridade antropocêntrica. Faz falta concorrência. Fazem falta outras espécies em demanda pelo domínio do planeta, ou pelo menos de pedaços dele. À falta de concorrência, a espécie que domina passa o tempo no passatempo de liquidar alguns dos iguais entre si.
Continuação da ingenuidade: os cartapácios que ensinam os modos decentes da existência proclamam a igualdade entre iguais. Uma vida não tem semelhante, é única. Mas, talvez por sermos tantos, e porque alguns não aprenderam pela cartilha da tolerância, assomam-lhes ao nariz uns ventos de desrazão que desmentem os preceitos da igualdade. Apoucamos os que são diferentes entre iguais da mesma espécie. Quando a corda se estica e os vapores da desrazão embaciam as emoções, tratamos dos assuntos à força da bala, ou à força de granadas que têm o aviltante preço de cinquenta cêntimos.
Como pode o pessimismo antropológico ter o seu degelo se com o correr do tempo vêm à tona manifestações de soez desrazão?

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