This Mortal Coil, "Another Day", in https://www.youtube.com/watch?v=YiHSYS4O1TU
Do tempo e da sua feição totalitária. De
como o tempo tem uma espessura viscosa que nos sitia, se nós deixarmos. Não é
fácil resistir. Não é fácil fazer dos atos a tradução das intenções com o
recorte de ouro que é sempre bem intencionado.
Mercê das palavras alinhavadas como
termómetro dos atos vindouros, declina capitular aos ardis do tempo que deixou
uma marca visível quando os olhos escorregam para o retrovisor do tempo. Não
adianta desgastar o tempo, o único tempo com serventia (o vivente), com viagens
ininteligíveis aos remoinhos que julgam resgatar um qualquer outrora que
apeteça. De que, ao menos, apeteça só recordar. O exercício não tem préstimo
nenhum. É como se nem reparasse que o tempo emoldurado vem servido na forma de remoinhos
diversos. Sedenta de ir lá trás, nem dá conta da voracidade dos remoinhos que
prometem a repristinação de tempo gasto. Como nos remoinhos, pode ser absorvida
pela sua força centrípeta, embrulhada nos abalos telúricos que desautorizam a
vontade própria. É um efeito paradoxal: é a vontade própria que toma a
iniciativa de embarcar num dos remoinhos do tempo passado; mas, uma vez tomada
pelo turbilhão indomável, deixa de ser tutora da vontade, nem obtém absolvição do
tempo pretérito. Fica à mercê dos humores dos remoinhos que empurram para a
inércia de um tempo já gasto. E o pior é que o corpo é domado pelas forças centrípetas
do remoinho de que é passiva passageira.
O segredo é resistir aos encantos da
nostalgia. Porque é tempo desperdiçado, um locupletar do único tempo que tem
interesse decantar – o tempo vivente, o que se oferece diante dos olhos, que conseguem
discernir os seus contornos, sem o soturno amalgamar do tempo distante. De cada
vez que empurra o olhar através do retrovisor dos tempos, desembainha um punhal
que se vem cravar no mais fundo da carne. Depois sobra o sabor do sangue que se
derrama à medida que o corpo é dominado pelos abalos telúricos do remoinho do
tempo em foi embarcadiça.
Por mais que seja difícil corresponder os
atos às intenções, deve andar com uma mnemónica no bolso da memória. A
mnemónica ensina como se é ludibriado ao cortejar o tempo que pertence aos
arquivos da memória. Que sirva para memória futura. Para ela não ser atraiçoada
pelos ardis da memória inerte.
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