Balla, "Montra", in https://www.youtube.com/watch?v=QgZi9_bi5Oc
- Aposto três chocolates como a montra está vazia.
- Mas, como podes
dizê-lo? Os teus olhos não vêm que a montra tem coisas, e que elas estão
orquestradas para parecerem belas?
- Por isso mesmo.
- Não estou a seguir o
teu raciocínio...
- A montra esconde o que não mostra. O que conta não é o que a montra
deixa à mostra. Isso só serve para as ilusões. De quem quer mostrar o que não
é. E de quem fica encantado a apreciar o que julga ser essência mestra.
- As montras são um
ardil?
- Não necessariamente. Admito que não haja intencionalidade na esfera de
ilusões que se compõem nos dedos de uma montra. Pode ser superior ao seu fautor.
- Há alguém que atua,
nesse caso. Será alguém por interposta pessoa.
- Ou não. Pode ser o próprio intérprete que se desnuda na montra, que se
desnuda numa imagem que seria sua ambição sê-lo. Não acontece que os atos vêm
pela mão de um que se insinua e que não conseguimos domar?
- Julgamos a montra pelo
seu artífice, não por se apoderar a ideia de que o artífice é uma marioneta de
alguém.
- É parecido com isso. É como se houvesse muitas metades de cada um de
nós a adejar sobre a alma. (Sem importar a negação aritmética – não leves a
proposição à letra.)
- Remete para o domínio
da psicologia...
- ...Se quiseres ver desse modo. Eu tenho outro. São os desdobramentos da
alma. Os pseudónimos da existência, que não é única. Raras são as vezes em que
os conseguimos identificar. Eles insinuam-se debaixo da pele, fazem-se passar
pela essência quando a essência os rejeita.
- Se te entendo: cada
indivíduo não é uno, é um entrelaçar de diversas personalidades que convivem,
em paz ou não, na sombra do eu que se revela.
- E daí que haja sempre uma montra.
- Mas, então, a montra é
uma farsa do ser...
- Pode ser. E pode não ser: a montra bolça à superfície a contrariedade
que asfixia um certo eu, que não o deixa ser dominante. A montra, sobretudo
quando vem orquestrada com diligência, é sinal de um ardil. De um ângulo da
personalidade que não quadra com o eu dominante.
- Devíamos fazer o quê às
montras?
- Nada. Ou apenas deixá-las existir. E saber lê-las, se tiver préstimo
para as encruzilhadas em que esbarramos.
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