Lamb, "We Fall in Love", in https://www.youtube.com/watch?v=kPfmVhzRJHw
A casa desocupada. Vazia.
Fria, porque vazia. Despida de almas, já que nunca foi habitada. As paredes
desmaiadas, macerando a sua alvura na ausência de gente. Pois as casas só
ganham valor quando são habitadas. Quando a força viva de gente lhes empresta
personalidade. Antes disso, não passam de projetos de arquitetura, com o traço
de um arquiteto (gente, portanto), mas disso não passam. Uma casa não é apenas
um ingrediente da paisagem. Tem mais linhagem. Se por dentro delas não houver
ninguém, continuam aprisionadas num anonimato que não lhes confere vivência.
Um dia, há gente que vem
para dentro da casa. Que deixa pedaços do olhar nas paredes. Que dorme nos
quartos, deles sobrando os vestígios dos seus muitos sonhos sonhados. Que
confeciona simples ou opíparos repastos na cozinha, trazendo os odores para as
paredes e o teto, entranhando um pedaço de cultura. Que tem pedaços de ócio no
sofá, contagiando a casa com a cultura que vem dos livros, da música, dos
filmes. A casa começa a ganhar personalidade. Com os móveis que a ornamentam,
com os sentimentos que nela fluem, com as pessoas que a visitam, com as
palavras que se dizem.
A casa, ocupada
entretanto, enlaça-se nos sedimentos de quem nela habita. As janelas são os
olhos por onde se deitam os olhares que vêm de dentro. É uma fortaleza. As
cortinas são a muralha que a esconde dos olhares forasteiros e furtivos. Pois
uma casa ocupada é um castelo fechado ao resto do mundo. Onde só contam os seus
habitantes, num universo exclusivo que adeja sobre o resto do mundo. Neste
habitat, tudo é irrepetível. Tudo é segredo. Menos para as paredes e o teto e
as janelas e os móveis que emprestam autenticidade à casa. Mas daí não vem mal
ao mundo. As paredes e o teto e as janelas e os móveis são o prolongamento de
quem neles reside. A cumplicidade não tem freios. Dessa cumplicidade germina
outro entrelaçamento que se aviva com a intensidade da casa: o do seus
habitantes, soberanos de um reinado imenso dentro da exiguidade de uma casa.
A casa ocupada não tem
tamanho. Não interessa se é pequena, ou se é grande; dentro da casa, há um
reinado maior do que o resto do mundo. Por causa de quem nela habita. Por causa
do nutriente das almas que se alimentam em reciprocidade. E do amor que
transpira dos seus poros.
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