Tame Impala, “Apocalypse
Dreams (live)”, in https://www.youtube.com/watch?v=xYw1xmm8AME
Pretendiam a imortalidade das insónias. Como num
contrato, firmado a sangue fervente, em que ajuramentavam as noites sem sono,
os dias também sem sono. Desprezavam os penhores da lucidez que os queriam
levar ao desengano. Estes diziam: não se embaciem com os néones que são cosmética
dos haveres reais, ninguém consegue resistir ao sono. Rendam-se ao sono.
Os czares queriam desmentir estas más profecias. Não por
elas virem de gente mesquinha, a gente enfadonha que enfeita palavras com os meneios
da realidade e depois ensina, em bolorenta lição de moral, que ninguém consegue
fugir debaixo da bota da realidade. Os czares estavam-se nas tintas para a
realidade. Leram existencialistas, pós-modernos, enamoraram-se de teorias a
pender para o esotérico. Nas artes e na estética, só pisavam o chão vago que
era esteira árida para as maiorias. Tudo o que congeminasse a dissolução da
terrível realidade, uma penumbra que se abatia com as suas asas dantescas sobre
o sorriso dos ingénuos.
Os czares promoviam uma pose donairosa. Enfeitavam-se
com indumentárias extravagantes, penteando-se em desarranjadas melenas, as
barbas expondo cuidado arranjo. Mal saíam de dia à rua; não queria dizer que
dormissem no avesso do fuso horário, pois conseguiam estender a resistência ao
sono pelo dia dentro. Mas era de noite que cavalgavam na intensidade da vida. Percorriam
os lugares onde houvesse vestígios de animação. Caíam na dissolução com frequência.
Não tinham medo dos excessos – aliás, reinventaram a hermenêutica dos excessos,
que eram excessos só aos olhos de quem os julgava. Mal podiam, arrastavam os
ossos para a bebida e para as substâncias ilícitas que adiavam o sono, que iam
adiado o sono.
Os czares tinham pressa de viver. E medo que fosse tarde
de mais quando o envelhecimento adornasse as saudades do que ficou aquém das mãos,
quando as rugas já não tivessem remédio e os arrependimentos hasteados ao topo
do navio. Não hesitavam. O tempo era uma escassez. Tinha de ser provado à
velocidade alucinante, pondo o ponteiro a trezentos a hora. A menos, era tudo
lento, tudo analgésico, tudo incolor.
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