16.10.15

Dois estados de espírito

Electric Wizard, “Funeralopolis”, in https://www.youtube.com/watch?v=F-x6qqNy0mo
Somos reféns do estado de espírito que houver no momento. E como não somos matéria sopesada no equilíbrio perene, variamos nos estados de espírito, nas suas diferentes espessuras. Os diferentes humores são o húmus de diferentes reações ao mesmo acontecimento. Há alturas em que tudo parece sorrir, até as coisas que julgamos misantropas. Noutras alturas, é como se uma pesada nuvem escura adejasse sobre os olhos, sobre eles pesando, dobrando o dorso para a pungência do ser e do haver à volta. No primeiro caso, sobra a paciência, pratica-se tolerância. No segundo caso, na altura em que o é, a paciência esgotou-se, ferve a rispidez. E há, ainda, a indiferença – sem ser terceiro estado de espírito, antes transcendendo os dois opostos.
No dia do humor soalheiro e risonho, perante uma adversidade semeada por um intérprete que, estivesse o orvalho pesado a cacimbar o horizonte, levava, ato contínuo, com o rótulo de soez (com agradecimentos à lucidez que trava pior qualificativo): sorria-se à personagem, virava-se o rosto não com o propósito de a ignorar, mas para oferecer o lado oposto com cristã intenção de vulgarizar a soez personagem dando-lhe o obséquio de um esbofeteamento não ficar órfão por não ser em número par. Dir-se-ia, a seguir, para vir amesendar no recato da sossegada existência onde não confluem fantasmas que a sobressaltam. Pagar-se-ia o repasto, em dobrada dose de generosidade. Dir-se-ia adeus à personagem, com votos de melhorias no duvidoso estado mental. De preferência, até ao nunca no porvir.
No dia do humor destravado, com as escadas do pensamento carcomidas pela paciência que se ausentara: mandar-se-ia a soez personagem ao bardamerda. Com as palavras todas, pausadamente, para ela perceber melhor. Proclamar-se-ia a sua vetusta idade mental em desarmonia com as pueris intenções, num paradoxo limitativo da existência, passível de acompanhamento por peritos em distúrbios de personalidade. Sublinhar-se-ia a agnosia, doença terminal que determina o colapso da convivência, tornada impossibilidade manifesta. Repetir-se-ia o irremediável destino merdoso, só para tal personagem não perder de vista o berço que a merece. Acentuar-se-ia a menoridade da personagem, imaculadamente bestunta nos interstícios da maldade inata e da boçalidade que berra ao olhar. Para que não caísse em esquecimento, novo acento tónico na irremediável pocilga onde merece medrar em sua própria escatologia. Só louvores...
Se em vez dos opostos humores levitar a indiferença, ignora-se a criatura, destinada à irrelevância – o maior ultraje que pode sentir. Com o benefício adicional, e mais importante, de não causar dano em quem a destina à indiferença.

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