LCD Soundsystem, “North American
Scum”, in https://www.youtube.com/watch?v=gJ2np7R-Uwg
Esta terra – melhor: os seus nativos – precisa de um
gigantesco divã. Na necessária psicanálise coletiva, com peritos vindos do
estrangeiro, precisa, esta terra, de expiar fantasmas, de repelir apoucamentos
de si mesma, de ter capacidade para voltar a olhar por cima do olhar, sem
tibiezas, sem receios de decair na decadência que tem antolhado os tempos últimos.
Precisa, esta terra, de uma nova portugalidade. Mas a
nova portugalidade convoca um exercício holístico, completo, cobrindo os tempos
inteiros, sem afastar os tempos que foram embaraço na história. Pois talvez não
seja má ideia devolver aos tempos cunhados com glória a responsabilidade pela
pequenez sorumbática a que nos confinámos. Acontece quando o corpo se eleva aos
patamares da grandeza; como a glória não é perpétua, a decadência é mais dilacerante
para os que outrora se banharam nas águas miríficas de uma glória qualquer. Daí
à crise existencial, vai um passo.
Para piorar o diagnóstico, e talvez como lastro desse
antanho de proezas pátrias, não aceitamos quando a portugalidade é desprezada. Não
aceitamos quando quem tem o topete de o fazer vem de fora; lidamos mal quando o
exercício é autocontemplativo, esbracejando com o ultraje da traição a quem
tiver essa ousadia. Diz-se: não se escarnece da grandeza que ficou imortalizada
na história; o respeito que merecemos, como legatários desse húmus, não transige
com troças. Levamo-nos muito a sério.
Se não nos levássemos tão a sério, não sentíamos o
ultraje dos que querem difamar a portugalidade. Se calhar, esse (a
portugalidade) era assunto irrelevante. E mais irrelevantes seriam as suas
difamações. É um nó que não conseguimos desatar. Se nos levássemos menos a sério,
se conseguíssemos olimpicamente troçar com o que somos, não pesavam as nuvens
sombrias que, depois, caucionam uma idiossincrasia tristonha (o fado; o
amesquinhar do ser diante do altar da religião; o respeito irrecusável pelas
sumidades que instruem; a desvalorização do indivíduo, convocado a inclinar-se
perante o coletivo que canta um hino e deifica uma bandeira; a propensão genética
para tolerar governantes totalitários, pois o poder exige “pulso forte”). É um
labirinto sem saída: por querermos ser tanto em honra dos legados ancestrais, e
por estarmos reduzidos a um pequeno nada, o contraste é atroz. A portugalidade
está obstruída pelo estigma do passado e pela opacidade do futuro.
Não devia vir mal ao mundo em admitirmos que somos um
lixo (a juntar a outros lixos algures), um punhado de gente irremediável,
desalentada, desfigurada do tempo futuro, canhestra às vezes, críticos de nós
mesmos e ao mesmo tempo intolerantes quando a troça vem de fora. Nenhum
daqueles atributos é necessariamente um mal.
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