Devendra Bahnart, “We All
Know”, in https://www.youtube.com/watch?v=SOd9ihtIboU
Amadeu enamorou-se pela teoria progressista que se
compromete com o meio ambiente como se o meio ambiente fosse um novo teísmo.
Tudo gira à roda da proteção do ambiente. O resto, desimporta. Mais a mais,
Amadeu percebeu que o compromisso progressista com o centrípeto lugar do ambiente
vinha mesmo a calhar para ajudar a sua causa de sempre – afogar o capitalismo.
Petição de ordem: tudo o que causasse o menor dano ao
ambiente devia ser proibido. Sem apelo. A sagração do ambiente justifica o
totalitário método. Amadeu desmultiplicava os exemplos quando falava com os discípulos.
Deixaríamos de viajar – mesmo que isso custasse um ensimesmar que quadrava com o
sedentarismo. Deixaríamos de assistir a manifestações de arte quando elas
exigissem a deslocação dos artistas. Deixaríamos de comprar roupas fabricadas
noutros lugares. Deixaríamos de aceitar roupas que implicassem práticas (consideradas)
não ecológicas. Deixaríamos de comer animais que provocam danos na atmosfera (a
flatulência que manda metano para a atmosfera e os dejetos que arruínam as
terras e as águas). Deixaríamos, até, de comprar alimentos, mesmo que fossem de
artesanal e ecológica produção, fabricados em lugares distantes. Deixaríamos de
passar férias que exigissem deslocações consumíveis do ambiente. E por aí fora.
Amadeu também respondia às dúvidas dos discípulos – o que
se podia fazer e o que seria vedado por imperativo de restritiva lei num mundo
assim tão perfeito. Um dia, um discípulo, talvez assaltado por dúvidas
existenciais, interpelou Amadeu. Quis saber como seria a sociedade acantonada
nas suas costuras comezinhas. Como seria este opúsculo em negação do
multiculturalismo e de uma sociedade cosmopolita. Amadeu abespinhou-se.
Enervado, ripostou:
- Devias saber que
os grandes males exigem remédios à medida. E depois há a prioridade das causas,
e a nossa é esta. Tudo deve sucumbir se entrar em contradição com o ambiente.
- Nesse caso,
acabamos com a aviação civil, com a indústria dos transportes, com o turismo,
com tudo o que dependa de viajar de um lado para o outro? Toda a produção passa
a ser restrita à escala local?
- Se preciso for
– devolveu Amadeu, contrariado pela importunação da intervenção.
- Nesse caso,
insisto, voltamos ao medievalismo? Passamos a ser sociedades fechadas, quase
sem contacto com as outras e vizinhas sociedades. Não atraiçoamos um valor superior
– o conhecimento das gentes umas pelas outras?
Amadeu pôs fim à conversa. “Sim, é tudo isso. E depois?”. Prosseguiu com a prédica educativa
aos discípulos. No fim da reunião, deu ordem de expulsão ao já não discípulo
que teve o topete de fazer tantas perguntas. “Cá para mim, era um infiltrado por uma multinacional qualquer”,
rematou Amadeu. A superioridade das causas não admite contraditório.
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