8.10.15

Alfândegas sem aloquete

Radiohead, “No Surprises”, in https://www.youtube.com/watch?v=u5CVsCnxyXg
Permitida a alquimia. Já não era sem tempo. Outrora, os alambiques cheiravam a matéria rançosa. Não havia centelha que conseguisse assentar claridade àquele lugar. Lúgubre lugar. Aquiescia na desconfiança: era a maneira de curar as feridas. As cicatrizes desenfreavam a suspeição geral das coisas e das pessoas. Todas as palavras eram decantadas à procura das entrelinhas, pois as palavras ditas eram apenas esconderijos. Mas isso foi num tempo de que já não há resgate. De um tempo malsão, embebido em sombras que empobreciam as cores.
Houve uma manhã em que sentiu tudo diferente. Tudo ao contrário dos diagramas enlutados que pontuavam o conhecimento. Era como se uma lei geral do universo tivesse sido decretada e todas as alfândegas se libertassem do jugo de serem alfândegas. Apenas sobravam as cancelas que dantes eram travão ao que queria experimentar os deslimites. Os edifícios de apoio foram despojados da sua função. Postos nas mãos do abandono, decaindo em ruinas. Esta decadência dispunha bem: as ruínas coincidiam com a emancipação do pensamento, a liquidação dos fantasmas que assaltavam os cunhos do pensamento. Agora, o pensamento fluía. Ia de território em território, quando dantes se aquartelava em demarcações herméticas.
Agora, era o império das interrogações. Dantes, tinha medo de as formular nos interstícios do pensamento. Coabitava na permanência das incertezas (o contrário das certezas à prova de bala). Combinava diferentes pensamentos, cinzelando as fronteiras que dantes eram ásperos vértices que não deixavam os diferentes territórios falar uma linguagem inteligível. Dantes, as tentativas de cerzir pontes entre esses territórios eram um diálogo de surdos. Para impedir males maiores, falavam idiomas diferentes. Era uma impossibilidade comunicativa – e ainda bem que assim era: podiam comunicar e as desinteligências seriam o fermento da barbaridade.
Agora era tudo diferente. Um arejamento das ideias tomou de assalto os mecanismos do pensamento. Os diferentes territórios comunicavam sem embaraços. As chaves dos aloquetes foram deitadas ao rio. Naquela altura, o rio quase transbordava do leito. As chaves desapareceram no rio indomável. E o sol, em seu ocaso fulgurante, era testemunha dos freios que tinham deixado de ser. Agora, só contavam as palavras ditas em pautas de diferente calibre.   

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