Mark Lanegan Band, “The
Graveddiger’s Song”, in https://www.youtube.com/watch?v=zP5GWYXp4d0
Dorso pendido, dir-se-ia, o peso de suportar um peso da
responsabilidade. Era diferente naquele homem. Pela curvatura do dorso, mais
acentuada do que nos demais. Até lhe chamavam corcunda. Com o passar do tempo,
a protuberância notava-se à vista desarmada.
O homem consultou especialistas. Era tanto o incómodo,
tantos os olhares bisbilhoteiros (outros com um esgar de troça), que tinha de
saber da enfermidade. Fez exames médicos, foi a cinco médicos diferentes; mas
todos ficavam impassíveis ao lerem os exames: aparentemente, não havia disfunção,
óssea ou muscular, que explicasse a deformação nas costas. E como os médicos são
formatados pelos cânones da normalidade, se a afeção não vinha nos livros não
era da sua conta prescrever cura para um mal que não existia (de acordo com os
livros sagrados). Mas o pobre homem arqueava de dia para dia. Começava a ter
vergonha de sair à rua: não era agradável ouvir estroinas a chamá-lo, alto e
bom som, corcunda.
Se o mal não vinha nos livros dos médicos, talvez um
curador dos males da cabeça pudesse ajudar. Foi a um psicólogo. Quem sabe se
aquela curvatura não era, também, psicológica? Por via das dúvidas, decidiu
frequentar ao mesmo tempo os divãs de três psicólogos e de dois psiquiatras –
os haveres eram abundantes, o dinheiro para lhes pagar não era problema. Os
psicólogos perguntaram pelas angústias. Pelas perplexidades. Pelos temores. Pelas
fobias. Se tinha aversão à atualidade. Ou medo de alguém. Alguns, com propensão
para a hermenêutica onírica, até indagaram sobre a viabilidade dos sonhos – mas
ele não se lembrava do roteiro dos sonhos.
Foi tudo compulsado numa matriz analítica (como os psicólogos
gostam de dizer em língua de trapos, só para justificarem a avença). O homem
sentia acusar o peso do mundo inteiro. As injustiças, de todas as formas e
feitios, tiravam-lhe o sono. Não suportava ver um indigente de mão estendida, um
sem-abrigo a procurar o sono debaixo de uma ponte, um animal vadio maltratado,
mulheres e homens liquefeitos pelo desamor, crianças sem o adocicado carinho
pelo menos dos pais, progenitores que o mais que fizeram foi copular para parir
(e por isso de progenitores não passavam). A cada dor do mundo que tomava em si,
o dorso arqueava. Não conseguia suportar o peso do peso de um mundo com cores
terríveis.
Arqueado, sofria em nome dos que padeciam de sofrimentos
vários. Nem que tivesse de pagar o preço do dorso arqueado. Que a sua corcunda,
ao menos, dissolvesse as dores de quem as sofresse. Contra a recomendação dos psicólogos
e dos psiquiatras, que o desenganaram a esse respeito.
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