13.10.15

Pela ponte mais alta

Pond, “Elvis’ Flaming Star (live on KEXP)”, in https://www.youtube.com/watch?v=Gice6l5R-nc
Não parece. Não parece que as paredes sujas que delimitam o morro sejam a raiz quadrada dos obstáculos. Elas podem ser transpostas, vencidas.
Manda-se o corpo em equilíbrio pelas pedras acima. As mãos fazem de tenazes, pegando-se com firmeza às reentrâncias das pedras que são esteios pelo morro acima. Às vezes, as mãos deparam-se com musgo. Duplicam o cuidado, que o musgo é viscoso e ninho de humidade. Uma rápida vista de olhos ao que já foi transposto, deitando os olhos por trás do ombro, não deixa espaço para hesitações: o mínimo escorregar pode ser doloroso (para dizer o mínimo). A perícia é chamada à colação. Constantemente. É um exercício difícil. Exige destreza mental. À medida que o corpo derrota cada centímetro que o separa da cumeada, enquanto as pedras proeminentes vão sendo ajuda na empreitada, o pensamento entra em hibernação. Não há lugar, nos férteis campos do pensamento, para mais nada.
Mais a mais, tomou a talvez insensata resolução de pisar o limite dos riscos e meteu-se ao desafio por sua conta e risco, sem arnês nem freios de segurança. Se caísse talvez não pudesse contar a façanha. Quando descansava entre duas pedras mais alcantiladas, perguntava se não estava no limiar da demência ao empreender a subida naqueles preparos. Esse era o segundo desafio mental pela frente, talvez mais difícil ainda: ficar absorto do resto, até das possíveis loucuras que, em momento destravado, o levaram àquela resolução. Só podia ter olhos na parede íngreme por cima dos olhos, a parede que o separava da promissora cumeada assinalada por uns arbustos lilases que pendiam sobre o precipício.
Tinha de demorar o que demorasse. A chuva e o vento vieram por companhia. Só faltava mais isto – não tardou a dizer com os seus botões. Mas subia. A preceito, no seu jeito desengonçado de quem não tinha jeito para estas aventuras. Os braços doíam, as pernas eram vidradas por descargas lancinantes à medida que se contorciam em exigentes malabarismos. Só faltava meia dúzia de metros. Os mais difíceis: a parede empinava-se ao contrário, de repente deixava de conseguir ver os arbustos que encimavam o promontório.
Venceu a íngreme montanha. Na cumeada, era como se estivesse na ponte mais alta de todas. Não sentiu nada de especial. Agora que estava na ponte mais alta de todas, já não era proeza.

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