Pond, “Elvis’ Flaming Star
(live on KEXP)”, in https://www.youtube.com/watch?v=Gice6l5R-nc
Não parece. Não
parece que as paredes sujas que delimitam o morro sejam a raiz quadrada dos
obstáculos. Elas podem ser transpostas, vencidas.
Manda-se o corpo em
equilíbrio pelas pedras acima. As mãos fazem de tenazes, pegando-se com firmeza
às reentrâncias das pedras que são esteios pelo morro acima. Às vezes, as mãos
deparam-se com musgo. Duplicam o cuidado, que o musgo é viscoso e ninho de
humidade. Uma rápida vista de olhos ao que já foi transposto, deitando os olhos
por trás do ombro, não deixa espaço para hesitações: o mínimo escorregar pode
ser doloroso (para dizer o mínimo). A perícia é chamada à colação.
Constantemente. É um exercício difícil. Exige destreza mental. À medida que o
corpo derrota cada centímetro que o separa da cumeada, enquanto as pedras
proeminentes vão sendo ajuda na empreitada, o pensamento entra em hibernação.
Não há lugar, nos férteis campos do pensamento, para mais nada.
Mais a mais, tomou a
talvez insensata resolução de pisar o limite dos riscos e meteu-se ao desafio por
sua conta e risco, sem arnês nem freios de segurança. Se caísse talvez não
pudesse contar a façanha. Quando descansava entre duas pedras mais
alcantiladas, perguntava se não estava no limiar da demência ao empreender a
subida naqueles preparos. Esse era o segundo desafio mental pela frente, talvez
mais difícil ainda: ficar absorto do resto, até das possíveis loucuras que, em
momento destravado, o levaram àquela resolução. Só podia ter olhos na parede
íngreme por cima dos olhos, a parede que o separava da promissora cumeada assinalada
por uns arbustos lilases que pendiam sobre o precipício.
Tinha de demorar o
que demorasse. A chuva e o vento vieram por companhia. Só faltava mais isto –
não tardou a dizer com os seus botões. Mas subia. A preceito, no seu jeito
desengonçado de quem não tinha jeito para estas aventuras. Os braços doíam, as
pernas eram vidradas por descargas lancinantes à medida que se contorciam em
exigentes malabarismos. Só faltava meia dúzia de metros. Os mais difíceis: a
parede empinava-se ao contrário, de repente deixava de conseguir ver os
arbustos que encimavam o promontório.
Venceu a íngreme
montanha. Na cumeada, era como se estivesse na ponte mais alta de todas. Não sentiu
nada de especial. Agora que estava na ponte mais alta de todas, já não era
proeza.
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