12.10.15

Morangos silvestres

Múm, “Green Grass of Tunnel”, in https://www.youtube.com/watch?v=l5hBkQT3-C8
Os pequenos morangos apinhados em caixas estandardizadas, à mostra na montra da frutaria. No ar, o perfume doce que não costuma vir dos morangos grandes a carnudos. Os morangos silvestres são um monumento aos sentidos. E são belos. Talvez por serem morangos anãos. Nem de propósito: as caixas de morangos silvestres estavam ao lado de caixas dos morangos bastardos. A desproporção de um para quatro, à vista desarmada.
O dono da loja, enquanto metia mãos à azáfama de quem ordena as frutas, trata de arrumar as faturas e de atender os clientes, observa os três turistas extasiados à frente dos morangos silvestres. Os turistas não se intimidam com a presença do dono da loja: eles falam outro idioma, podem estar à vontade nas observações. O dono da loja tem outros predicados. É um autodidata. Aprendeu cinco idiomas ao longo da vida (sem nunca ter de viver no estrangeiro). Uma das línguas de que tem conhecimentos mínimos era a que os turistas falavam, a propósito dos encómios aos morangos silvestres. O dono da loja estava encantado com a conversa. Um dizia que o belo não exige dimensão. O outro preferia apurar os sentidos e estava enamorado pelo perfume que os morangos silvestres exalavam. Decidiram comprar umas caixas para irem degustando durante a caminhada pelas ruas da cidade.
O mais calado ainda foi a tempo de ajuizar o simbólico do quadro que se oferecia diante dos seus olhos: não é por acaso que o dono da loja alinhou os morangos silvestres ao lado dos (assim os chamaram) morangos bastardos. Não é por acaso que os morangos bastardos eram vendidos a metade do preço. Um dos companheiros de viagem não percebeu. O outro discorreu: a beleza concentrada vale mais do que a beleza transfigurada em tamanho. Os deuses, protetores das coisas meãs, não deram guarida à qualidade superior que os morangos grandes queriam ter, por serem grandes e nessa medida cativarem a atenção de quem passava. Por isso é que eram bastardos morangos.
Notaram que outros turistas caíam no engodo. Levavam caixas de morangos grandes. A confirmar o adágio (que parece transversal na geografia humana): os olhos também comem. São os olhos que começam por comer, apesar de não terem dentes e língua para apurar o paladar. Os segredos, contudo, estão reservados aos conhecedores. Aos que não sucumbem aos ardis da apenas beleza exterior. Todos aqueles turistas, estava visto, achavam que os morangos silvestres, por terem anão formato, eram uma subespécie. Nem se perguntavam porque custavam o dobro (ou não sabiam nada de economia).

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