Múm, “Green Grass of Tunnel”,
in https://www.youtube.com/watch?v=l5hBkQT3-C8
Os pequenos morangos apinhados em caixas estandardizadas,
à mostra na montra da frutaria. No ar, o perfume doce que não costuma vir dos
morangos grandes a carnudos. Os morangos silvestres são um monumento aos
sentidos. E são belos. Talvez por serem morangos anãos. Nem de propósito: as
caixas de morangos silvestres estavam ao lado de caixas dos morangos bastardos.
A desproporção de um para quatro, à vista desarmada.
O dono da loja, enquanto metia mãos à azáfama de quem
ordena as frutas, trata de arrumar as faturas e de atender os clientes, observa
os três turistas extasiados à frente dos morangos silvestres. Os turistas não
se intimidam com a presença do dono da loja: eles falam outro idioma, podem
estar à vontade nas observações. O dono da loja tem outros predicados. É um
autodidata. Aprendeu cinco idiomas ao longo da vida (sem nunca ter de viver no
estrangeiro). Uma das línguas de que tem conhecimentos mínimos era a que os
turistas falavam, a propósito dos encómios aos morangos silvestres. O dono da
loja estava encantado com a conversa. Um dizia que o belo não exige dimensão. O
outro preferia apurar os sentidos e estava enamorado pelo perfume que os
morangos silvestres exalavam. Decidiram comprar umas caixas para irem
degustando durante a caminhada pelas ruas da cidade.
O mais calado ainda foi a tempo de ajuizar o simbólico
do quadro que se oferecia diante dos seus olhos: não é por acaso que o dono da
loja alinhou os morangos silvestres ao lado dos (assim os chamaram) morangos
bastardos. Não é por acaso que os morangos bastardos eram vendidos a metade do
preço. Um dos companheiros de viagem não percebeu. O outro discorreu: a beleza
concentrada vale mais do que a beleza transfigurada em tamanho. Os deuses,
protetores das coisas meãs, não deram guarida à qualidade superior que os
morangos grandes queriam ter, por serem grandes e nessa medida cativarem a
atenção de quem passava. Por isso é que eram bastardos morangos.
Notaram que outros turistas caíam no engodo. Levavam caixas
de morangos grandes. A confirmar o adágio (que parece transversal na geografia
humana): os olhos também comem. São os olhos que começam por comer, apesar de não
terem dentes e língua para apurar o paladar. Os segredos, contudo, estão
reservados aos conhecedores. Aos que não sucumbem aos ardis da apenas beleza
exterior. Todos aqueles turistas, estava visto, achavam que os morangos
silvestres, por terem anão formato, eram uma subespécie. Nem se perguntavam
porque custavam o dobro (ou não sabiam nada de economia).
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