Low, “What Part of Me”, in https://www.youtube.com/watch?v=3QAZCzSEKus
Os instantes em que parece que o tempo ficou preso nas
nossas mãos. E nós, tutores do tempo todo à nossa volta. Como se em nós
habitasse uma concha hermética que tivesse o condão de parar o tempo, de o
tornar inerte enquanto lá fora o tempo continuava o seu pulsar. Pois há
momentos em que parece que o tempo se emoldura nas fotografias que fazemos de
tudo à volta. O tempo congelado no calor das nossas mãos não se desgasta. E, no
entanto, sabemos que o tempo continua o seu curso indissipável enquanto o
retemos nas mãos, enquanto o despojamos da sua fúria imparável através dos
beijos que os lábios depositam nos carnudos lábios outros. É um tempo sem memória,
porque cuidamos de o reservar ao altar privativo de onde só nós ouvimos o
sibilar do vento, onde só nós decantamos a espessura das ondas, onde só nós
bebemos as palavras sábias dos poetas majestosos. Sim, detemos o tempo no seu
pulsar. E traduzimos o passo travado na cintilação do olhar, nas ondas do mar
que mandamos arquejar para não ferirem os navios, nas paredes das casas que
tingimos com as pétalas doces que das nossas mãos altivas se espalham. É nesse
tempo emoldurado que perpetuamos outra dimensão, um lugar intemporal onde não
deixamos que nada se meça pelas bitolas comuns. Onde nos perpetuamos. Compomos
os passos das coreografias que queremos, enquanto estugamos o passo no dorso
dos cavalos alados que nos levam aos sítios de que mais ninguém tem conhecimento.
Lá, onde mantemos o tempo fechado com as chaves que escondemos por dentro da
alma. Onde cuidamos de servir de farto alimento os sonhos que soubemos transfigurar
em matéria palpável, em matéria incindível, em archotes que emprestam fogo às
flores que perfumam todos os lugares que visitámos e a que iremos de viagem. Numa
combustão perfeita, onde se alcançam os montes atrás dos montes que vêm depois
dos montes, pois sabemos que depois das serranias repousa o mar brando que espreitamos
da janela. O tempo é nosso império. E nós, feitores do que dele quisermos
fazer. Até quando sabemos ditar uma pausa aos ponteiros dos relógios e tudo
parece hibernar numa casa quimera que só se deixa visitar por nós.
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