30.10.15

Pois se até o general Eanes usa barba

Grinderman, “Palaces of Montezuma” (live at RAK sessions), in https://www.youtube.com/watch?v=vZ5QaqRJX_o
Li algures que os homens andam desleixados. Deixam crescer barba. Mais homens do que antes. Vai mal, pois, o negócio para as máquinas de barbear. As barbas aparadas com diligência, ou as barbas hirsutas e compridas (num modismo que faz o seu caminho), ganharam espaço aos rostos masculinos escanhoados. Dizia a notícia: é sintoma de descuido dos homens, que não querem o incómodo diário (ou, vá lá, para as barbas menos abundantes, de dois em dois ou de três em três dias) de serem escanhoadas. Insinuava-se, nas entrelinhas (se consegui não tresler), que barbas tão abundantes eram sinal de falta de higiene.
Deitei-me a pensar: como se pode apressadamente fazer semelhante inferência? Era o que mais faltava, um qualquer juiz da estética masculina ajuramentar que barbas de todos os feitios tresandam a descuido que é sinónimo de pouca higiene. Estou à vontade no tema. A barba que a genética me ofereceu é fraca, não chega para compor uma barba que se veja, nem sequer daqueles formatos cuidadosamente negligentes em sucedâneo de barba (a barba rala e avulsa, que também faz o seu caminho). E quando olho para barbudos sinto ambivalência: por um lado, fazem-me lembrar Marx, o pai natal e os obrigatoriamente barbudos revolucionários do PREC (na escala das coisas que me assustam, estão no topo dos topes); por outro lado, lembro a barba do meu pai, só desfeita em tempo de férias.
Quando li a notícia, não retive o nome do autor. Não sei se era masculino, feminino, terceiro género, nem me dei ao trabalho de apurar a preferência sexual (era o que mais faltava). Muito provavelmente, nenhum desses fatores vem ao caso. Seja quem for o autor da preciosa prosa, é gente que não distingue gostos pessoais dos gostos que os outros gostam de exteriorizar. Um aprendiz de totalitário, portanto.
Que depois tenha o topete de adulterar a fraca análise, atestando que os barbudos são preguiçosos e têm maus pergaminhos higiénicos, é do domínio da alucinação. Pois se até o general Eanes – arquétipo de seriedade vertida na perene pose grave de estadista, ícone do conservadorismo de costumes, militar de carreira que aprendeu a precatar-se com os cânones da pessoal higiene – enverga negligente barba, é prova suficiente da prosa errónea do escriba. Barbas de molho, que estão na moda. E as modas respeitam-se, mandam as credenciais da democracia.

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