Grinderman, “Palaces of
Montezuma” (live at RAK sessions), in https://www.youtube.com/watch?v=vZ5QaqRJX_o
Li algures que os homens andam desleixados. Deixam
crescer barba. Mais homens do que antes. Vai mal, pois, o negócio para as máquinas
de barbear. As barbas aparadas com diligência, ou as barbas hirsutas e
compridas (num modismo que faz o seu caminho), ganharam espaço aos rostos
masculinos escanhoados. Dizia a notícia: é sintoma de descuido dos homens, que
não querem o incómodo diário (ou, vá lá, para as barbas menos abundantes, de
dois em dois ou de três em três dias) de serem escanhoadas. Insinuava-se, nas
entrelinhas (se consegui não tresler), que barbas tão abundantes eram sinal de falta
de higiene.
Deitei-me a pensar: como se pode apressadamente fazer
semelhante inferência? Era o que mais faltava, um qualquer juiz da estética
masculina ajuramentar que barbas de todos os feitios tresandam a descuido que é
sinónimo de pouca higiene. Estou à vontade no tema. A barba que a genética me
ofereceu é fraca, não chega para compor uma barba que se veja, nem sequer daqueles
formatos cuidadosamente negligentes em sucedâneo de barba (a barba rala e avulsa,
que também faz o seu caminho). E quando olho para barbudos sinto ambivalência: por
um lado, fazem-me lembrar Marx, o pai natal e os obrigatoriamente barbudos
revolucionários do PREC (na escala das coisas que me assustam, estão no topo
dos topes); por outro lado, lembro a barba do meu pai, só desfeita em tempo de
férias.
Quando li a notícia, não retive o nome do autor. Não sei
se era masculino, feminino, terceiro género, nem me dei ao trabalho de apurar a
preferência sexual (era o que mais faltava). Muito provavelmente, nenhum desses
fatores vem ao caso. Seja quem for o autor da preciosa prosa, é gente que não
distingue gostos pessoais dos gostos que os outros gostam de exteriorizar. Um aprendiz
de totalitário, portanto.
Que depois tenha o topete de adulterar a fraca análise, atestando
que os barbudos são preguiçosos e têm maus pergaminhos higiénicos, é do domínio
da alucinação. Pois se até o general Eanes – arquétipo de seriedade vertida na
perene pose grave de estadista, ícone do conservadorismo de costumes, militar
de carreira que aprendeu a precatar-se com os cânones da pessoal higiene –
enverga negligente barba, é prova suficiente da prosa errónea do escriba.
Barbas de molho, que estão na moda. E as modas respeitam-se, mandam as
credenciais da democracia.
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