Ryuichi Sakamoto, Cesária Évora
e Caetano Veloso, “É preciso perdoar”,
in https://www.youtube.com/watch?v=JHBnC8b02zM
Pele de aço. Contra os furacões devastadores semeados de
fora para dentro. Os que fazem dano. Às vezes, dano maior. E como não temos
sangue réptil, o frio sangue que daria caução à indiferença não fosse dar-se o
caso de os devastadores furacões povoarem dor por dentro, não viramos cristãmente
o rosto para apanhar em dose dobrada com outro furacão entretanto montado.
Como a época se presta à catarse, vem o lugar-comum do
perdão como imperativo da quadra. Está mal. Deviam falar do perdão fora do
natal, que é quando passamos mais tempo ao longo do compartimento que o calendário
arruma num ano. Mas seja: aproveitem-se os fumos favoráveis do natal para
interiorizar umas reflexões sobre o perdão.
Há quem diga que viver em permanente sobressalto não é
coisa sadia. As guerras constantes dissolvem anos de vida. Trazem calvície a
uns, cabelos grisalhos a outros, taquicardias e achaques cardiológicos que
podem esbulhar a vida num ápice. E de que servem as disputas, se não para nos
acharmos, a certa altura, de mal com a pessoa que somos? Que seja preferível o
perdão. Nem que seja para a redenção da pessoa que há em nós. Não se trata,
pois, de um perdão genuíno. Dirão os de há pouco: e o que é que isso interessa,
se não que o perdão alcatifa os dias serenos por vir e estende a mão à saúde
que se desgasta de peleja em peleja?
Outros situam o perdão numa manifestação de nobreza de
quem perdoa. É outro lugar-comum, e não menos obnóxio. Não é um perdão genuíno.
Perdoa-se porque alguém tem de romper a corda da estultícia, quando com outrem
se engalfinha numa pugna estéril. Um dia, o putativo magnânimo encontra-se com
uma alvorada radiosa que lhe sussurra ao ouvido que fica bem no retrato se for
ele a tomar a iniciativa do perdão. A vontade de o fazer é nula. A promessa de
aparecer como se fosse o substituto de uma divindade a quem é dado o poder da absolvição
oculta a sobranceria destilada. Não há perdão; há a sua simulação, um cenário
de sombras sucessivas em que tudo passa a pertencer ao faz-de-conta.
E agora pergunta-se: há perdão genuíno, espontâneo?
Responda-se com outra interrogação: e o que é que isso interessa? Cada um é
juiz das circunstâncias. Julgar um perdão como pretexto de outra coisa qualquer
não pertence às prerrogativas de quem está no exterior da indulgência.
E, portanto, é uma perda de tempo teorizar sobre o perdão.
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