Beck, “Everybody Gotta
Learn Sometime”, in https://www.youtube.com/watch?v=PaI1sLqFOuE
No meio da praça principal, mesmo junto à estátua do
poeta, meia dúzia de pessoas vestindo toga amarela abeiravam-se de quem passava
nas imediações. Faziam um convite. As pessoas deviam subir a escada alcatifada
com um tapete carmim e luzes psicadélicas a piscarem nas bordaduras. Os sacerdotes
de uma coisa qualquer (não apresentavam credenciais) prometiam que ao cimo da
escada estava um palco onde as pessoas podiam chamar a si a fortuna.
O palco estava dentro de uma caixa envidraçada, mas com
o vidro baço. As pessoas desconfiavam. Não é todos os dias que alguém dá de
graça o que quer que seja. E quando alguém pratica filantropia, o espírito que
capitulou às desmaravilhas do
materialismo manda dizer que a bondade gratuita se paga, e com juros, quando
vier o futuro. Não houve vivalma que subisse as escadas mal o convite dos
encapuzados de amarelo era feito. As pessoas perguntavam, queriam saber mais sobre
a geringonça a que as escadas levavam. Os encapuzados tinham instruções para não
decaírem. Não podiam dar explicações. Até eles não sabiam o que havia mal as
portas ao cimo das escadas fossem franqueadas.
As pessoas eram convidadas a experimentar o escuro, e
beber nas águas da contingência. Algumas, hesitantes, subiram a escadaria. Sentiram
o aveludado da alcatifa, como as luzes intermitentes pareciam produzir um
efeito hipnótico. Evitavam olhar para os néones, pois não queriam abdicar da
vontade própria. Algumas subiram julgando que um tesouro aberto poria fim às
dificuldades nas finanças pessoais. Outros aventuraram-se na convicção interior
de que as apoquentações imateriais teriam solução. Outros queriam deixar de
fazer parte dos desempregados. Ainda houve gente mais modesta, que meteu as
pernas ao caminho fazendo juras em nome de filhos e netos. Gente houve que
montou na escadaria convencida que a fortuna desejada era uma constelação de
coisas banais e de coisas extravagantes. Alguns recuaram no topo das escadas,
faltando coragem para abrir a porta que conduzia ao palco.
Os que entraram não conseguiam lembrar do que estava lá
dentro. Nem do que aconteceu enquanto estavam de visita ao palco que prometia
fortuna garantida. Saíam sorridentes. Leves. Nenhum foi à procura de mais
explicações junto dos encapuzados de amarelo que estavam do lado oposto ao da
saída do palco.
Não se chegou a saber em que consistia a fortuna
garantida. Talvez fosse apenas o convencimento de que alguma fortuna existia.
As pessoas, quando motivadas como deve ser, acreditam. Numa coisa qualquer. E devem
acreditar que acreditar compensa.
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