Dead Combo, “Zoe Llorando
(live)”, in https://www.youtube.com/watch?v=YLDqxsLn6N0
Os lençóis lavados em lágrimas. Das lágrimas vertidas no
sono sequestrado pela melancolia. A menina silvestre tinha a certeza que era a
pessoa mais infeliz do mundo. Sozinha. Sem pais a quem tributar os afetos que
nunca o sangue recusa. Sem amigos, incapaz de encontrar um esteio onde fundear
nas horas dilaceradas. Sem quem amar, por desacerto com o amor. Sem saber o seu
lugar na imensa rosa-dos-ventos em que era um minúsculo ponto cardeal.
A menina silvestre: assim chamada por causa dos espinhos
que vicejavam das entranhas. Os espinhos que impediam a fruição dos outros, sob
pena de serem mordidos. Os mesmos espinhos que eram a punição – sabe-se lá
divina, ou de qualquer outro jaez – da menina silvestre: como se neles medrasse
o húmus da sua autoflagelação. As mãos não eram suadas. Delas desprendiam-se
gotas de sangue. E até as lágrimas tingiam tudo em redor com vestígios carmim, à
medida que ninguém se comiserava das apoquentações interiores da menina
silvestre – à medida que ela tomava em seus braços o berço da mágoa. Era como
se o sol se erguesse atrás do horizonte e até ele viesse tingido pelas lágrimas
vertidas pela menina silvestre. Havia quem jurasse ter visto o vasto mar
embotado pelas lágrimas que escorriam dos olhos marejados da menina silvestre,
o mar decaindo num tom encarnado mercê da contaminação pelas lágrimas da
menina. Enquanto ela apurava os sentidos da mortificação interior. A cada
pranto, levantavam-se as bandeiras negras da angústia. Que cavava uma cova
ainda mais funda no coração enegrecido da menina silvestre.
Um dia descobriram tudo. A menina silvestre tinha a
forma de amora. Das amoras que, em estando maduras, são quase negras. Antes dos
frutos pendidos nas extremidades das silvas, os espinhos coagulavam o sangue
fervente que encarcerava a doçura das amoras. O sangue derramado em forma de lágrimas
não era o altar que ajuramentava a melancolia. Era a antessala da doçura, o
magistério providencial que atirava para o porvir a janela da esperança.
A menina silvestre, mau grado o luto interior vertido
nas lágrimas-sangue, jamais fechara essa janela.
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