16.12.15

Quando os correios acabarem

Patti Smith, “Feels Like Teen Spirit”, in https://www.youtube.com/watch?v=_ohayGCVWZY
Quando os correios acabarem, é sinal que acabaram os velhinhos. Pelo menos, os velhinhos que hoje são velhinhos. Os que procuram as estações de correios para pagar a água, a luz, o gás, os impostos, as faturas avulsas que vierem parar à caixa do correio. Os que usam os correios como agências bancárias e levantam por grosso a reforma inteira, metendo em sacas mal disfarçadas o monte de notas pacientemente contadas (em repetição) pelas carinhosas funcionárias dos correios. Os velhinhos têm nas funcionárias dos correios belas amigas, que até trocam duas de conversa sobre os mais recentes problemas que os apoquentam. Os correios fazem, talvez sem saberem, acompanhamento psicológico.
Se alguém tiver assuntos a tratar nos correios, evite o erro de principiante: antecipar a hora de abertura, pois é quando, e com muita antecedência, os velhinhos começam a engrossar a fila de espera e aproveitam para conviver, para contar as últimas dos padecimentos, para atualizar óbitos e causas dos ditos, para narrar proezas da guerra colonial quando ainda éramos um império, para comentar a atualidade política com a eloquência de um taxista. São momentos de aprendizagem.
Não interessa interrogar por que não aproveitam os velhinhos as novas tecnologias (pagamentos de faturas através das caixas multibanco) e as menos novas tecnologias (a abertura de uma conta bancária). São de outra geração e são das últimas vítimas do Portugal canhestro e inculto que Salazar cultivou. Não é preciso ir para meios rurais, onde apenas resiste uma população envelhecida e quase analfabeta, para observar gente menos esclarecida (do ponto de vista dos estudos) a quem um esforço de atualização às novidades está fora de cogitação. Nas grandes cidades, os velhinhos são os principais clientes das estações de correio. Quando, da última vez, cometi o erro de principiante, era eu e mais uma dúzia de pessoas de terceira idade à volta. Meteu-me impressão ver aquelas pessoas a meterem em sacos rudimentares todo o (magro) pecúlio das reformas e não perceberem como se expõem a assaltos.
Meia hora depois da hora de abertura da estação dos correios, desfiz-me da empreitada (acrescem os quinze minutos da néscia antecedência). Na fila de espera estava outra dúzia de pessoas. Só dois não eram velhinhos. Um dia destes, quando acabarem as estações de correios, é sinal que esta geração de velhinhos deixou de marcar presença. E os correios de proximidade e apoio geriátrico perderam sentido.

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