Patti Smith, “Feels Like
Teen Spirit”, in https://www.youtube.com/watch?v=_ohayGCVWZY
Quando os correios acabarem, é sinal que acabaram os
velhinhos. Pelo menos, os velhinhos que hoje são velhinhos. Os que procuram as
estações de correios para pagar a água, a luz, o gás, os impostos, as faturas
avulsas que vierem parar à caixa do correio. Os que usam os correios como agências
bancárias e levantam por grosso a reforma inteira, metendo em sacas mal
disfarçadas o monte de notas pacientemente contadas (em repetição) pelas
carinhosas funcionárias dos correios. Os velhinhos têm nas funcionárias dos
correios belas amigas, que até trocam duas de conversa sobre os mais recentes
problemas que os apoquentam. Os correios fazem, talvez sem saberem,
acompanhamento psicológico.
Se alguém tiver assuntos a tratar nos correios, evite o
erro de principiante: antecipar a hora de abertura, pois é quando, e com muita
antecedência, os velhinhos começam a engrossar a fila de espera e aproveitam
para conviver, para contar as últimas dos padecimentos, para atualizar óbitos e
causas dos ditos, para narrar proezas da guerra colonial quando ainda éramos um
império, para comentar a atualidade política com a eloquência de um taxista. São
momentos de aprendizagem.
Não interessa interrogar por que não aproveitam os velhinhos
as novas tecnologias (pagamentos de faturas através das caixas multibanco) e as
menos novas tecnologias (a abertura de uma conta bancária). São de outra geração
e são das últimas vítimas do Portugal canhestro e inculto que Salazar cultivou.
Não é preciso ir para meios rurais, onde apenas resiste uma população
envelhecida e quase analfabeta, para observar gente menos esclarecida (do ponto
de vista dos estudos) a quem um esforço de atualização às novidades está fora
de cogitação. Nas grandes cidades, os velhinhos são os principais clientes das
estações de correio. Quando, da última vez, cometi o erro de principiante, era
eu e mais uma dúzia de pessoas de terceira idade à volta. Meteu-me impressão
ver aquelas pessoas a meterem em sacos rudimentares todo o (magro) pecúlio das
reformas e não perceberem como se expõem a assaltos.
Meia hora depois da hora de abertura da estação dos
correios, desfiz-me da empreitada (acrescem os quinze minutos da néscia antecedência).
Na fila de espera estava outra dúzia de pessoas. Só dois não eram velhinhos. Um
dia destes, quando acabarem as estações de correios, é sinal que esta geração
de velhinhos deixou de marcar presença. E os correios de proximidade e apoio geriátrico
perderam sentido.
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