St. Vincent, “Cruel”, in https://www.youtube.com/watch?v=Itt0rALeHE8&list=PLLMMrCOYukXNEpgvGgVOLjTDhsivgQs_N
Os senadores merecem homenagem. E se um senador tardou
na sinecura, peregrinando demoradamente num estatuto simbólico, agora que os
seus tomaram as rédeas do poder mandavam os cânones (e a respeitabilidade
inerente ao estatuto) conferir pomposa deferência ao senador.
Só que não havia pasta para o senador. Outras clientelas
tiveram de ser satisfeitas e outras pastas convocavam peritos para a função
respetiva. Como o senador era daquelas personalidades versáteis, com
conhecimentos gerais sobre tudo e mais alguma coisa sem, contudo, ser um
especialista em coisa alguma, tornava-se árdua incumbência cerzir o puzzle do
gabinete por causa da sinecura a atribuir ao senador. Um conselheiro, uma
daquelas personagens cinzentas que espigam na penumbra, tirou coelho da
cartola: ao senador, atribuir-se-ia a pasta do ministro sem pasta. Um ministério
honorífico, um doutoramento honoris causa
do senador, para coroar a sua extensa carreira. O senador passava a ser o ministro sem pasta.
Tomou posse. Como ministro sem pasta, era o único que não
teve de filtrar influências e gerir sensibilidades na escolha dos secretários
de Estado. Só teve de escolher o chefe de gabinete e o motorista, que não havia
préstimo de semear no caminho de neófito ministro tamanha empreitada que, vem
nos manuais, serve para arregimentar as primeiras inimizades entre os
correligionários (sobretudo entre os que calhou em sorte – ou em sua falta –
serem marginalizados das escolhas).
O ministro sem pasta era um mestre de cerimónias. Palmilhava
o país, de inauguração em inauguração, sobretudo quando o seu superior hierárquico
estava ocupado noutras incumbências. Redigia e lia discursos que faziam honra a
efemérides – e, dizia-se à boca pequena, também redigia os mais importantes
discursos do primeiro-ministro, que este tinha poucos dotes de oratória e
ficava a dever à proficiência na escrita. Mas o ministro sem pasta não demorou
a ficar taciturno. Nas reuniões do Conselho, era testemunha passiva das
conversas dos seus colegas, como se queixavam das agendas exaustivas que não
deixavam tempo sequer para umas horas decentes de sono. Os outros ministros
legislavam com abundância, ou não estivesse o governo comprometido com a crença
ideológica na engenharia social. Mas ele quase não tinha agenda. E não
legislava, pois era um ministro sem pasta.
Deprimido, e a conselho do psiquiatra (amigo de outros
combates), o ministro sem pasta abdicou da pasta sem pasta. Ainda tentou
convencer o primeiro entre os ministros a testamentar competências que fossem a
caução para a legiferação. Em vão. Zangado com o primeiro-ministro, foi-se
embora. Escrever as memórias políticas. Se houvesse quem as quisesse ler. Para não
sofrer outra deceção, deixou instruções precisas: as memórias só seriam
publicadas depois de a morte o levar.
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