Savages, “Shut Up”, in https://www.youtube.com/watch?v=FuIB8HEmnoY
(Dedicado aos académicos que, cansados da torre de
marfim, decidem fazer “intervenção cidadã”)
Arbitram as questões importantes com a batuta da
autoridade intelectual que vem da cátedra. Nem que, se preciso for, esse seja o
derradeiro argumento utilizado numa peleja (“eu não lhe permito que duvide de mim, olhe que eu sou catedrático” –
de uma coisa qualquer). Uns, com jeito para a escrita, mas sem o dom da retórica,
ficam na retaguarda, alinhavam os documentos que catequizam políticos
profissionais, aspirantes a sê-lo e os cidadãos em geral. Outros, senhores de invejável
capacidade retórica, chegam-se à frente nas discussões que pretendem iluminar o
povo sedento de informação e de conhecimento (não necessariamente por esta
ordem). Trazem às costas os manuais que formatam uma ideologia, uma certa
mundividência. Usam-nos em socorro dos seus argumentos, que por sua vez – para terminar
em beleza a circularidade obtusa –, se escudam nas obras icónicas.
Incomodam-se muito quando os incomodam com perguntas incómodas
que desafiam os alicerces, a lógica, as conclusões que mais parecem imperativos
categóricos (e aquele ar incrédulo que metem, querendo dizer “como é possível não concordarem com as
minhas ideias?!”). Vociferam contra o consenso. E se intuem que o consenso
empobrece os desprotegidos, vestem armadura de justiceiros sociais e metem-se
numa cruzada, pois é incumbência de suas sumidades não capitularem perante as
aleivosias que os mais fortes cometem sobre os mais fracos.
Ao protestarem contra o consenso do momento, dedilham as
páginas de um outro consenso: o consenso dos que se insurgem contra o consenso
recusado. A envergadura intelectual, com esteio nos pergaminhos académicos (e
estes naquela, noutro ato heurístico de circularidade banal), empresta caução a
uma intervenção construtiva: a sociedade espera deles, lídimos expoentes de uma
elite muito esclarecida, um contributo para a aperfeiçoar. Professam credos e
impõem, como irrecusáveis, soluções que dão andamento a esses credos. É quando
se soergue um consenso contra o consenso do momento. Mas consenso, na mesma. De
que serve reclamarem contra o pensamento único, pecado que imputam ao consenso
que deploram, se o consenso que idealizam como alternativa arremete por um
pensamento que se desobstrui de alternativas a ele mesmo?
Os académicos deviam continuar na sua torre de marfim. Recatados
e humildes, mergulhados na parafernália teórica (de que são amiúde acusados).
Assim como assim, antes esse estigma do que o pretensiosismo de serem
engenheiros sociais ungidos por uma imensa sapiência. Diga-se, muito acima do
comum dos mortais.
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