14.12.15

Um consenso é um consenso (é um consenso)


Savages, “Shut Up”, in https://www.youtube.com/watch?v=FuIB8HEmnoY    
(Dedicado aos académicos que, cansados da torre de marfim, decidem fazer “intervenção cidadã”)
Arbitram as questões importantes com a batuta da autoridade intelectual que vem da cátedra. Nem que, se preciso for, esse seja o derradeiro argumento utilizado numa peleja (“eu não lhe permito que duvide de mim, olhe que eu sou catedrático” – de uma coisa qualquer). Uns, com jeito para a escrita, mas sem o dom da retórica, ficam na retaguarda, alinhavam os documentos que catequizam políticos profissionais, aspirantes a sê-lo e os cidadãos em geral. Outros, senhores de invejável capacidade retórica, chegam-se à frente nas discussões que pretendem iluminar o povo sedento de informação e de conhecimento (não necessariamente por esta ordem). Trazem às costas os manuais que formatam uma ideologia, uma certa mundividência. Usam-nos em socorro dos seus argumentos, que por sua vez – para terminar em beleza a circularidade obtusa –, se escudam nas obras icónicas.
Incomodam-se muito quando os incomodam com perguntas incómodas que desafiam os alicerces, a lógica, as conclusões que mais parecem imperativos categóricos (e aquele ar incrédulo que metem, querendo dizer “como é possível não concordarem com as minhas ideias?!”). Vociferam contra o consenso. E se intuem que o consenso empobrece os desprotegidos, vestem armadura de justiceiros sociais e metem-se numa cruzada, pois é incumbência de suas sumidades não capitularem perante as aleivosias que os mais fortes cometem sobre os mais fracos.
Ao protestarem contra o consenso do momento, dedilham as páginas de um outro consenso: o consenso dos que se insurgem contra o consenso recusado. A envergadura intelectual, com esteio nos pergaminhos académicos (e estes naquela, noutro ato heurístico de circularidade banal), empresta caução a uma intervenção construtiva: a sociedade espera deles, lídimos expoentes de uma elite muito esclarecida, um contributo para a aperfeiçoar. Professam credos e impõem, como irrecusáveis, soluções que dão andamento a esses credos. É quando se soergue um consenso contra o consenso do momento. Mas consenso, na mesma. De que serve reclamarem contra o pensamento único, pecado que imputam ao consenso que deploram, se o consenso que idealizam como alternativa arremete por um pensamento que se desobstrui de alternativas a ele mesmo?
Os académicos deviam continuar na sua torre de marfim. Recatados e humildes, mergulhados na parafernália teórica (de que são amiúde acusados). Assim como assim, antes esse estigma do que o pretensiosismo de serem engenheiros sociais ungidos por uma imensa sapiência. Diga-se, muito acima do comum dos mortais.

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