11.12.15

A fonte dos suecos


Tricky, “Sun Down, in https://www.youtube.com/watch?v=aig0YH61CDQ   
Era a fonte dos suecos por motivos transviados. A fonte não foi descoberta por suecos. Nem, em tempos, suecos a visitaram e dela morreram de amores. Os locais batizaram-na por causa da água sempre fria – gélida, no inverno – que vinha do manancial. Diziam que tinha propriedades medicinais, apesar de os cientistas nunca as terem atestado. De tão fria, mesmo no pino do verão, as pessoas dessedentavam-se e tinham a certeza de não voltarem a ter sede tão cedo.
(Mas o “tão cedo” era sempre subjetivo.)
Corria de boca em boca que a fonte dos suecos bolçava uma água que tinha outros predicados: parecia que as pessoas que dela bebiam durante três dias consecutivos, ao quarto andavam em hibernação dos sobressaltos do mundo. Como se o mundo não fosse a sua pertença e a cabeça em água os anestesiasse das inquietações. Talvez por isso, os cientistas se recusassem a atestar as propriedades medicinais: sabiam o que a fonte escondia e não queriam propagandear os predicados alucinogénios, não fosse dar-se o caso de ser lugar de peregrinação de habitués e de neófitos convertidos ao fenómeno.
De acordo com uma lenda que corria à boca grande, um dia uma sereia apareceu a um homem apoderado pelo desamor. A sereia comiserou-se do homem e entregou-se a ele como se estivessem num antro onde se praticasse tresloucado sexo. O homem não se lembrava dos detalhes. Estava com uma embriaguez titânica. Como todas as lendas, faltava confirmação credível. Depois disso, outros varonis desenganados, e outros apenas tomados pela lascívia gratuita, emprenhavam-se em bebida antes de aportarem na fonte dos suecos. Passaram a chamar-lhe fonte das suecas. Homens e homens, desgraçados e de boas famílias, foram encontrados inanimados no beiral da fonte à espera da alvorada – e, em alguns casos, de uma cama de hospital para curar o coma do álcool.
Por via das dúvidas, as senhoras bem-postas indignaram-se. Formaram uma milícia armada de paus e pedras para distribuir cacetada nas costas dos desgraçados que mostravam, e em público, quererem com sereias o que não os satisfazia em casa. Semanas depois, desconfia-se que a brigada de indignadas – ou um testa-de-ferro contratado para o efeito – contaminou o manancial com arsénico. Caldo entornado. Uns anos depois, a morte ceifou vários varões, sem causa aparente. As autópsias contaram a verdade: fora o arsénico. Encontrado nas amostras recolhidas da fonte. E tantas as viúvas em prantos, as mesmas que lá atrás não tinham perdoado a fantasia não provada.
O presidente da câmara, farto do enredo, mandou destruir a fonte, tamponá-la naquele sítio e, em segredo, canalizar a água que viria a desaguar, também em segredo, dois quilómetros abaixo. Na ribeira dos turcos.

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