Tricky, “Sun Down, in https://www.youtube.com/watch?v=aig0YH61CDQ
Era a fonte dos suecos por motivos transviados. A fonte não
foi descoberta por suecos. Nem, em tempos, suecos a visitaram e dela morreram
de amores. Os locais batizaram-na por causa da água sempre fria – gélida, no
inverno – que vinha do manancial. Diziam que tinha propriedades medicinais,
apesar de os cientistas nunca as terem atestado. De tão fria, mesmo no pino do
verão, as pessoas dessedentavam-se e tinham a certeza de não voltarem a ter
sede tão cedo.
(Mas o “tão cedo” era sempre subjetivo.)
Corria de boca em boca que a fonte dos suecos bolçava
uma água que tinha outros predicados: parecia que as pessoas que dela bebiam
durante três dias consecutivos, ao quarto andavam em hibernação dos
sobressaltos do mundo. Como se o mundo não fosse a sua pertença e a cabeça em água
os anestesiasse das inquietações. Talvez por isso, os cientistas se recusassem a
atestar as propriedades medicinais: sabiam o que a fonte escondia e não queriam
propagandear os predicados alucinogénios, não fosse dar-se o caso de ser lugar
de peregrinação de habitués e de neófitos
convertidos ao fenómeno.
De acordo com uma lenda que corria à boca grande, um dia
uma sereia apareceu a um homem apoderado pelo desamor. A sereia comiserou-se do
homem e entregou-se a ele como se estivessem num antro onde se praticasse
tresloucado sexo. O homem não se lembrava dos detalhes. Estava com uma
embriaguez titânica. Como todas as lendas, faltava confirmação credível. Depois
disso, outros varonis desenganados, e outros apenas tomados pela lascívia
gratuita, emprenhavam-se em bebida antes de aportarem na fonte dos suecos.
Passaram a chamar-lhe fonte das suecas. Homens e homens, desgraçados e de boas
famílias, foram encontrados inanimados no beiral da fonte à espera da alvorada –
e, em alguns casos, de uma cama de hospital para curar o coma do álcool.
Por via das dúvidas, as senhoras bem-postas
indignaram-se. Formaram uma milícia armada de paus e pedras para distribuir
cacetada nas costas dos desgraçados que mostravam, e em público, quererem com
sereias o que não os satisfazia em casa. Semanas depois, desconfia-se que a
brigada de indignadas – ou um testa-de-ferro contratado para o efeito –
contaminou o manancial com arsénico. Caldo entornado. Uns anos depois, a morte
ceifou vários varões, sem causa aparente. As autópsias contaram a verdade: fora
o arsénico. Encontrado nas amostras recolhidas da fonte. E tantas as viúvas em
prantos, as mesmas que lá atrás não tinham perdoado a fantasia não provada.
O presidente da câmara, farto do enredo, mandou destruir
a fonte, tamponá-la naquele sítio e, em segredo, canalizar a água que viria a
desaguar, também em segredo, dois quilómetros abaixo. Na ribeira dos turcos.
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