24.12.15

Era natal e nevava em todos os lugares (até no Havai)

Nick Cave & the Bad Seeds, “Fifteen Feet of Pure White Snow”, in https://www.youtube.com/watch?v=4sfhvxTZ0wo&list=PLF4713F3600497F40&index=46
Sabes? Há meninos aldrabados pelo natal. Contam-lhes histórias maravilhosas, de pais natais que conduzem renas voadoras (como se as renas conseguissem voar...) e paisagens sempre tingidas com a neve que acabou de cair. Para estes meninos, em todos os lugares do mundo, natal rima com neve. Mas – sabes? – a neve que faz parte dos postais ilustrados do natal só cai num punhado de lugares.
(E onde ela cai com abundância quase não há gente para dizer que é natal.)
Se calhar, deviam rever o natal. Para as criancinhas, as que são mais novas do que tu e ainda vivem sob o encantamento das promessas do natal, não serem enganadas. Isto de prometer paisagens cobertas de neve enquanto se espera pela visita noturna do generoso pai natal devia ir aos parlamentos para conversas sérias. Não admira que as criancinhas, quando deixam de o ser e perdem as ilusões, sintam pesar pelo ardil que os mais velhos para elas montaram. Não admira que, quando chegam a mais velhinhas, as crianças passem a ser peritas nas aleivosias várias em que se decompõe a idade adulta.
Os parlamentos deviam legislar sobre o natal. Sem reparos, a figura do pai natal: a indumentária vermelha e a barba que evoca Karl Marx coincidem com as ideias na moda – e as criancinhas têm de ser instruídas, desde os bancos da escola, para as virtudes das ideias boas. Mas os parlamentos e os governos e os homens poderosos deviam-se pôr de acordo, talvez em conferência internacional, sobre a paisagem que atapeta o natal. Como prova de boa vontade dos tutores das ideias da moda, far-se-ia uma concessão a uma convenção natalícia (e ao inerente manto de conservadorismo): a paisagem seria pintada com o branco da neve. E para não autorizar mais atropelos ao imaginário dos petizes, a resolução final seria que, em todos os lugares, até naqueles com exótico clima, dois dias do calendário haveria em que a neve daria conta da sua presença. Para os postais ilustrados do natal quadrarem com o que os petizes olhos vêm na véspera e no dia de natal.
(Ficaria para núpcias futuras, e a encargo dos cientistas, congeminar a obrigatória precipitação de neve nos lugares onde ela é improvável, se não impossível. A ciência tudo consegue. E o otimismo nos bons ofícios do homem destrava o resto.)

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