Nick Cave & the Bad
Seeds, “Fifteen Feet of Pure White Snow”, in https://www.youtube.com/watch?v=4sfhvxTZ0wo&list=PLF4713F3600497F40&index=46
Sabes? Há meninos aldrabados
pelo natal. Contam-lhes histórias maravilhosas, de pais natais que conduzem
renas voadoras (como se as renas conseguissem voar...) e paisagens sempre
tingidas com a neve que acabou de cair. Para estes meninos, em todos os lugares
do mundo, natal rima com neve. Mas – sabes? – a neve que faz parte dos postais
ilustrados do natal só cai num punhado de lugares.
(E onde ela cai com
abundância quase não há gente para dizer que é natal.)
Se calhar, deviam
rever o natal. Para as criancinhas, as que são mais novas do que tu e ainda
vivem sob o encantamento das promessas do natal, não serem enganadas. Isto de
prometer paisagens cobertas de neve enquanto se espera pela visita noturna do
generoso pai natal devia ir aos parlamentos para conversas sérias. Não admira
que as criancinhas, quando deixam de o ser e perdem as ilusões, sintam pesar
pelo ardil que os mais velhos para elas montaram. Não admira que, quando chegam
a mais velhinhas, as crianças passem a ser peritas nas aleivosias várias em que
se decompõe a idade adulta.
Os parlamentos deviam
legislar sobre o natal. Sem reparos, a figura do pai natal: a indumentária
vermelha e a barba que evoca Karl Marx coincidem com as ideias na moda – e as
criancinhas têm de ser instruídas, desde os bancos da escola, para as virtudes
das ideias boas. Mas os parlamentos e os governos e os homens poderosos
deviam-se pôr de acordo, talvez em conferência internacional, sobre a paisagem
que atapeta o natal. Como prova de boa vontade dos tutores das ideias da moda,
far-se-ia uma concessão a uma convenção natalícia (e ao inerente manto de
conservadorismo): a paisagem seria pintada com o branco da neve. E para não
autorizar mais atropelos ao imaginário dos petizes, a resolução final seria que,
em todos os lugares, até naqueles com exótico clima, dois dias do calendário
haveria em que a neve daria conta da sua presença. Para os postais ilustrados
do natal quadrarem com o que os petizes olhos vêm na véspera e no dia de natal.
(Ficaria para núpcias
futuras, e a encargo dos cientistas, congeminar a obrigatória precipitação de
neve nos lugares onde ela é improvável, se não impossível. A ciência tudo
consegue. E o otimismo nos bons ofícios do homem destrava o resto.)
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