Capitão Fausto, “Maneiras Más”,
in https://www.youtube.com/watch?v=jFlwUuyOmno
Diziam, os que o conheciam de ginjeira, que não tinha
remédio. Gabava-se de ser agente provocador, de virar a irritação dos outros
contra ele. Sentia orgulho quando alguém dizia dele ser insuportável pessoa.
Embarcava em barganhas por qualquer coisa. E, depois, ia fundo na polémica. Não
amansava as palavras quando apoucava quem aparecesse pela frente em contramão.
No contacto pessoal, fazia gala de exibir maus modos. Mostrava-se
boçal, mal-educado, desagradável com os outros quando, tantas vezes, do
exterior não se percebiam motivos para ser desagradável. Não sabia estar à
mesa. Exteriorizava misoginia, o que enfurecia, a um ato só, as donzelas saídas
dos salões onde convivem as melhores famílias e as exaltadas feministas sem remédio.
Um dia, convidado para uma palestra, saiu a meio sem aviso prévio. De outra
vez, num cocktail de apresentação de um livro, foi apanhado a esgaravunhar um
dente com um dedo para extrair restos do catering
servido. Chegou a ser apanhado em transportes públicos em decadente pose
subsequente a notória bebedeira. Adorava chocar as consciências, sendo
conhecido pelas páginas e páginas formuladas em torno do sexo, sempre do não
convencional sexo. Não havia semana que não desse uma alfinetada na igreja. Em
havendo um novo ícone emergindo em forma de modismo (na literatura, no cinema,
na música, no teatro, nas artes plásticas), não descansava enquanto não
publicasse prosa demolidora, provando, com argumentação articulada e palavras devastadoras,
que o ícone valia pouco mais do que zero. De caminho, aproveitava para amesquinhar
a sociedade que vai em modismos apenas porque uns iluminados, fazendo-se passar
por críticos da especialidade, mandam dizer que a turba deve consumir, em
adulação, o artista sujeito aos encómios do momento.
O que quase ninguém sabia é que ele tinha um lado
oculto. Todo um contrário da pose sobranceira, do desprezo pelos outros que lhe
fervia o prazer, da necessidade de se saber desamado. Quando estava
desacompanhado e tinha certeza que não havia ninguém nas redondezas para ser
testemunha, era bondoso com as crianças, ajudava os mais idosos, dava uma mão a
desvalidos que encontrava na rua. Uma ou outra vez, sob pseudónimo (que nunca
deixou revelar ser seu alter ego),
pedia para publicar prosa em defesa de quem tivera sido atacado por si em prosa
anterior. O que ele não gostava é que se fizesse constar que uma alma, uma alma
sequer, se dissesse sua admiradora. Levava isso tão a sério que, um dia, ao ser
interpelado por uma admiradora que queria trocar duas palavras, respondeu com
sonora flatulência.
Diziam que era sociopata. Ele não se importava.
Discordava, pois achava que apenas tinha mau feitio. Mas não se importava.
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