Tame Impala, “Remember Me”,
in https://www.youtube.com/watch?v=27RYzoZLR7w
Tinha a mania que era
analista. Das coisas contemporâneas. Pedagogo da fina análise, em pose grave,
talvez ensaiando para o matrimónio com o serviço público que, em boa verdade,
tinha tanto a perder por o não ter no seu seio (salvo seja). Digeria os
acontecimentos passíveis da fina análise. Raciocinava, ato contínuo. O que não
se sabe, é se a digestão era demorada ou abreviada. Suspeita-se da segunda
hipótese, a crer pela prolixidade da análise, em boa verdade, na inversa
proporção da finura que a mesma pretendia alcançar.
Comunicava. Não
gostava de guardar nas bainhas pensamentos que fervilhavam com tanto talento. E
quando se evocam as pretensões comunicacionais do eminente filósofo de
algibeira, não é por acaso: ao verter em texto o produto da exegese da
atualidade, dirigia-se aos leitores que eventualmente estivessem nessa
condição.
Diz-se dos génios que
estão três passos à frente da gente comum. Era o caso do engenheiro que descobriu
uma tardia inclinação para a filosofia. Era tão fina a análise, uma análise que
até as vanguardas analíticas deixava a milhas, que ninguém entendia as prosas
em que mostrava a sua lente do mundo. O mal seria dos destinatários, por
incultura ou incapacidade intelectual. Era, de uma penada só, um pedagogo e um
letrado que emprestava a sua genialidade ao mundo. Estava a cargo do mundo
reconhecer a qualidade destes préstimos, com a devida gratidão que engorda um
ego tão carente de público reconhecimento.
Sobra, dos seus
prantos da infelicidade, que não tinha audiência. Não se sabe se era por
ninguém o conseguir perceber, ou se por quem conseguia acompanhar a sua catarse
das coisas concluir que a contemporaneidade por ele decantada só existia na sua
cabeça. O país (e o mundo, logo a seguir) ficava mais pobre ao não tributar o
reconhecimento de que o engenheiro filósofo, do fundo das suas profundezas, se julgava
merecedor.
É o que dá quando
alguém que tem de si uma elevada consideração muda o rumo para tardias competências,
sem medir que lhe falta o húmus que ampara as competências tardias que julgou
açambarcar por autorrecreação. Sobra o risível da função. Mas não vem grande
mal ao mundo. O mundo agradece que umas figuras circenses o interpretem ao
contrário do que ele é, só para o tornar mais complexo e dar guarida a um
exército inteiro de analistas de fina análise. Assim como assim, figuras
circenses são sempre um entretenimento.
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