30.12.15

Uma rosa murcha na praia

Tindersticks, “Another Night In”, in https://www.youtube.com/watch?v=Nh7QuDWsVgQ
Uma rosa desmaiada nas areias entronizadas pelo ocaso. Arqueada sobre o dorso, o do lado esquerdo. Perdera a cor, já baça. Sinal da decadência outorgada por quem a prendeu às areias alisadas pelos ventos invernais. Alguém apoderado pela melancolia, na foz do desamor. Sem saber que fazer, as noites ainda mencionadas pelo algoz das insónias, visitou a praia sem gente e depôs a rosa. Em forma de luto, ou em forma de chamamento do amor desavindo, ou – ainda – como tributo à mulher sem correspondência.
A rosa deposta nas areias frias, um ato de desespero. É preferível crismar as areias com o sangue da melancolia do que meter os pés pelo areal e entregar-se ao mar enfurecido. Enfiou a cabeça entre os joelhos enquanto respirava a solidão da noite. Podia fugir dos descaminhos que o apoquentam, houvesse vontade e se se convencesse que há outros males, esses sim, sem remédio. As dores que abrem feridas excruciantes não são domáveis. São como as ondas tempestuosas do mar que se esmagam nos rochedos torneados pela erosão.
Mas a vontade não tem freio. Mete-se numa clepsidra sem água, os corredores do labirinto sitiados pela mágoa que consome a carne e a deixa exangue de forças – a vontade reduzida a um vestígio. Talvez a rosa deposta fosse uma centelha à espera que uma divindade também sem sono tomasse nota da angústia e congeminasse os elementos para mudar o fado. Do fado que, antes de o ser, quando ainda havia uma labareda projetada sobre o devir, era uma quimera prometida. Mas o fado, depois de ser emoldurado nos livros de registo que acomodam as memórias, fora, as mais das vezes, um desengano.
Havia muita fraqueza. A cabeça pesada pelas insónias e vigílias sem cabimento cedia o passo à prostração. Não queria saber das horas cruas que teriam o selo de um fado posterior. Não queria saber de mais nada. A rosa enterrada na areia, com um gesto macio, era o derradeiro sinal que queria enviar às divindades de atalaia no turno da noite. Não queria saber dos significados do gesto; os lugares-comuns diriam que a rosa a murchar era a imagem de quem a depôs. Também não queria saber das represálias do porvir, quando os dados fossem lançados e os ponteiros das bússolas encontrassem afinação.
Sobrou a rosa desmaiada e as mãos enregeladas pelo vento traçado pela penumbra sem fim. Um dia vinha depois.

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