15.12.15

As cores da madrugada

Craig Armstrong & Elizabeth Fraser, “This Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=URvC-7lcrvI
Dizem, as vozes avisadas, que a madrugada traz negrume como se fosse um luto. Discordamos. Em plena contravenção dos costumes, dizemos que a madrugada é fulgurante, emprestando cores vivazes à crisálida de cores, uma autêntica rosa-dos-ventos.
Pelas sombras da madrugada, somos a paleta de cores que lhe outorga brilho. Artífices de um quadro que ganha alma através das cores que saem das nossas mãos. Oferecemos à madrugada as cores que pulsam nas veias, um fermento ávido que inaugura o horizonte ao dia que se apresta a ser outro dia. Oferecemos: com a febre interior que é a tremenda vontade de haver em vida o mar inteiro que se desprende das mãos. Trazemos a luminescência que derrota a escuridão da alma embotada pelo sono noturno. Não somos reféns da madrugada; dizemos bom dia à noite cansada que começa a decair, o zénite da madrugada que exorta a alvorada impetuosa.
Nem a madrugada fria dos invernos é causa para recolhimento. Trazemos o calor das veias em desacato com o frio da madrugada. Por todo o lado acendem-se lareiras que derrotam a invernia anestesiante. Entretanto, compomos as cores espraiadas no quadro de que são artífices nossos olhos. Metemos as cores ao acaso, apenas comandados pela vontade que for vontade. Sem estarmos sitiados por convenções. Aprendendo a gostar de tomar sabor à madrugada, enquanto, lá fora e dentro das outras casas, quase toda a gente ainda se debate no sono tardio. É por isso que vamos com uma volta de avanço. Não é que interesse grande coisa, que competições destas são espúrias. É só pelo simbolismo da volta de avanço. Uma espécie de vanguarda. Não reconhecida, ainda por cima. Isso congraça gosto maior. O que, a bem dizer, também pouco interessa.
O que nos interessa é sermos tutores da madrugada, tomá-la nas nossas mãos, cinzelando as suas formas para depois nela vertermos as cores que nos apetecer. À espera da madrugada seguinte. E de todas as outras que forem nosso património. Exclusivo.

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