Nick Cave & the Bad
Seeds ft. P. J. Harvey, “Henry Lee”, in https://www.youtube.com/watch?v=QzmMB8dTwGs
Um desejo.
Fantasioso: regressar àquela idade em que fazemos projetos para a idade adulta
e respondemos à questão que, militantemente, oprime o pensamento: “o que queres ser quando fores grande?” E
agora, que “grande” já sou, apetecia regressar lá atrás só para responder à pergunta
sacramental que se abate sobre quem faz planos para o depois das
responsabilidades. Só para à pergunta retorquir “quero ser crítico musical”.
A música faz parte das
coisas que constituem matéria de adoração. E porque, julgo, não deve haver maior
gratificação do que trabalhar numa área que, para os demais, é objeto de
consumo. Quem me dera levar para casa resmas de discos. De artistas conhecidos
e daqueles que demandam uma descoberta. Oxalá pudesse fazer do tempo de
trabalho escuta de discos atrás de discos, tirando notas, descobrindo
revelações, rejeitando artistas, confirmando outros, descobrindo que anteriores
revelações esgotaram o manancial de inspiração e se tornaram banais,
redescobrindo outros que tinham caído no limbo. E ser convidado a assistir a
concertos e deles fazer recensão crítica.
Oxalá pudesse ser remunerado
por algo que hoje é um hobby.
Deixaria de comprar música e bilhetes para concertos. Deixaria de escorregar
para a pirataria – e deixaria de levar com gente moralista que me pespega
correspondentes lições pela pirataria em que incorro. Deixaria de pagar pela
música que ouço; passaria a ser pago para o fazer. Mesmo que o desejo em forma
de fantasia fosse uma reviravolta profissional.
Dirão que não
demorava a julgar fastidiosa a empreitada. Que ouvir incessantemente música com
o propósito de redigir recensões acabaria por instalar o cansaço da função. Que
o hobby de hoje seria obrigação
amanhã, destituindo o prazer que hoje se encerra na música de que sou
consumidor. Outros diriam que a reviravolta profissional seria apenas um ato de
narcisismo, já que o produto da função (as recensões críticas) teria o condão
de formatar as preferências dos consumidores. Eu digo que nem uma coisa, nem a
outra (mas, sobretudo, a segunda: pouco me importo com audiências).
Correndo o risco de
ver os ouvidos e o pensamento assaltado por alguma bosta musical, não hesitava.
Só para cumprir um desejo que nunca o foi quando projetava “ser grande”. E que,
com esta idade, decidi repristinar com efeitos retroativos. Nem que seja apenas
no onírico.
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